I. Introdução
O objecto de estudo da Biologia Celular e Molecular é a célula, como o elemento básico constituinte dos seres vivos. A célula é estudada estruturalmente, funcionalmente e bioquimicamente, bem como as relações entre todos estes aspectos, tendo em conta que ela se encontra integrada no conjunto do ser vivo, no caso dos organismos multicelulares, sendo influenciada pelas células vizinhas, directa ou indirectamente.
O conhecimento da célula começou no século XVI com a descoberta do microscópio, tendo esse conhecimento sofrido um grande desenvolvimento desde então até aos nossos dias. Durante muito tempo, pouco se avançou nos conhecimentos sobre a célula. Só a partir dos anos 30 do século passado, com a invenção do microscópio electrónico, é que o conhecimento da célula teve o seu grande avanço.
Graças aos avanços da Genética e doutras técnicas nos últimos 20 anos, o Homem pode hoje trabalhar na célula com facilidades ainda há pouco impensáveis; temos como exemplo disso a produção de insulina industrialmente recorrendo à utilização de bactérias nas quais foi introduzido o gene humano que codifica esta proteína.
1. A evolução da célula
Até à formação da primeira célula houve uma longa evolução química, que durou muitos milhões de anos.
Oparin, na sua teoria da Biogénese, tenta descrever essa evolução, primeiramente química, depois pré‐biológica e, por fim, biológica. Esta teoria é confirmada por muitos dados obtidos experimentalmente, embora haja pontos ainda não completamente esclarecidos.
Após a formação das primeiras biomoléculas (protídeos, lipídeos, glicídeos e nucleotídeos), admite‐se como provável na formação da primeira célula as seguintes etapas:
• Formação de polímeros de ácido ribonucleico (ARN) capazes de dirigirem a sua própria replicação.
• Desenvolvimento de mecanismos que levaram a molécula de ARN a sintetizar proteínas.
• Junção de moléculas fosfolipídicas envolvendo moléculas de ARN e proteínas.
As primeiras células assim formadas seriam obrigatoriamente muito simples, próximas dos seres do reino Monera. Essas células evoluíram depois, surgindo no decurso dessa evolução as células eucarióticas, ricas em endomembranas e contendo cito‐esqueleto, seguindo‐se depois a formação de organismos multicelulares, com adesão e comunicação entre as células.
II. Tipos de células
No mundo vivo existem dois grandes grupos celulares:
• Células eucarióticas e
• Células procarióticas.
Dos cinco reinos propostos por Whittaker (Monera, Protista, Fungi, Plantae e Animalia), somente os seres pertencentes ao reino Monera (bactérias e algas cianófitas) são constituídos por células procarióticas, sendo todos os outros reinos constituídos por organismos formados por células eucarióticas.
A principal diferença entre estes dois tipos celulares é a ausência de membrana nuclear nas células procarióticas. O cromossoma destas células ocupa um espaço denominado nucleóide, encontrando‐se em contacto directo com o restante do protoplasma. As células eucarióticas possuem um núcleo verdadeiro, rodeado por uma membrana nuclear elaborada, através da qual ocorrem trocas entre o núcleo e o citoplasma. A tabela 1 compara a organização estrutural nos procariontes e eucariontes, ilustrando as diferenças e semelhanças existentes entre os dois tipos de células.

1. Células procarióticas
As células procarióticas são células de dimensões muito reduzidas1, com núcleo simples, não organizado em cromossomas, sem membrana nuclear e sem aparelho mitótico. Com algumas excepções, as células dos organismos procarióticos são rodeadas por uma parede celular que é até certo ponto equivalente à parede das células vegetais, e sem equivalente nas células animais. O aspecto da parede celular é diferente consoante o comportamento da bactéria em relação à coloração de Gram.
Este método de coloração é efectuado em quatro passos:
• Numa lâmina para microscópio óptico faz‐se um esfregaço de qualquer produto biológico contendo bactérias. Estas são fixadas passando a lâmina sobre a chama do bico de Bunsen.
• Seguidamente, cora‐se com um corante básico (roxo de metilo ou violeta de cresilo), juntando‐se posteriormente iodo ou um iodeto para servir de mordente (geralmente utiliza‐se o soluto de lugol). As bactérias ficam coradas de roxo.
• Em seguida, faz‐se uma lavagem com álcool‐acetona (fase de diferenciação). Se o corante se encontra bem fixo (por ligação covalente ou iónica) não se perde na lavagem; caso o corante não se encontre bem fixo, na lavagem com álcool‐acetona ele é removido, ficando a bactéria descorada (pode apresentar uma ligeira coloração roxa).
• O passo final consiste na coloração com um corante secundário, a fucsina básica, que tem cor vermelha, muito diluída. As bactérias que tinham mantido a coloração roxa após a lavagem continuam roxas, pois a fucsina básica não se liga; as bactérias que tinham ficado incolores com a lavagem ficam coradas de vermelho.
Com base neste método, as bactérias são classificadas em:
• Gram positivas – as bactérias que coram de roxo.
• Gram negativas – as bactérias que coram de vermelho.
Existem algumas bactérias que não coram por nenhum dos corantes do método de Gram, mas coram pelo método de Ziehel‐Nielson. São exemplos deste grupo as bactérias da tuberculose e da lepra. Estas bactérias são resistentes aos mecanismos de defesa do organismo por terem uma parede
Tabela 1 – Comparação entre a organização celular de procariontes e eucariontes.
Estrutura
Célula procariótica
Célula eucariótica
Membrana nuclear
Ausente
Presente
ADN
Circular, aglomerado num nucleóide
Combinado com histonas
Cromossomas
Ausentes
Múltiplos
Nucléolo
Ausente
Presente
Divisão
Amitose
Mitose e meiose
Ribossomas
70S (50S + 30S)
80S (60S+40S)
Endomembranas
Ausentes
Presentes
Respiração
Enzimas respiratórias na membrana plasmática
Mitocôndrias
Fotossíntese
Enzimas fotossintéticas na membrana plasmática
Cloroplastos
Parede celular
Mureína e fosfolipídeos
Celulose
Exocitose e endocitose
Ausentes
Presentes
Locomoção
Flagelos
Cílios e flagelos
1 Para todos os níveis de complexidade biológica, a taxa de metabolismo é inversamente proporcional ao tamanho do organismo. Visto que a taxa de crescimento é determinada pela taxa de metabolismo, o tamanho pequeno é uma condição essencial para um rápido crescimento. Além disso, em muitas bactérias que apresentam crescimento muito acelerado existe um grande poder de adaptação às condições nutritivas e físico‐químicas do meio. O limite de tamanho de muitas células procarióticas é assim determinado pela dificuldade em manter uma regulação metabólica satisfatória.
O cromossoma bacteriano é circular e único. A molécula de ADN, antes da divisão bacteriana, sofre replicação semi‐conservativa, sendo que o ser procarionte é sempre haplóide.
O citoplasma dos procariontes apresenta umas granulaçõs de 17 nm de diâmetro que são os ribossomas procarióticos, cuja relação ARN:proteína é de 6:4 e é maior do que nas células eucarióticas, mas a velocidade de sedimentação é menor (nos procariontes é de 70S; nas células eucarióticas os ribossomas medem 21‐25 nm e sedimentam a 80S). O citoplasma procariótico apresenta inclusões, das quais as mais comuns são as lipídicas de poli‐hidroxibutirato, os grãos de volutina metacromáticos e contendo polifosfatos e as partículas de glicogénio.
Nas bactérias fotossintéticas, os pigmentos fotossintéticos (clorofila bacteriana) localizam‐se na membrana de vesículas denominadas cromatóforos, que se encontram disseminadas pelo protoplasma.
Nalgumas bactérias e cianófitas, surge por fora da parede celular uma cápsula contituída por polissacarídeos, polipeptídeos ou complexos glicoproteicos. Esta cápsula contém antigénios e confere resistência à fagocitose.
Algumas células bacterianas apresentam prolongamentos de superfície:
• Os flagelos são filamentos de 3‐12 μm de comprimento e 12‐19 nm de espessura, que se ligam a um grânulo basal intracelular. O seu número e implantação são muito variáveis; as bactérias que não possuem flagelos dizem‐se átricas. Cada flagelo é constituído por uma sequência helicoidal de monómeros proteicos de flagelina, de 40 000 Da de peso molecular. Além de serem indispensáveis à locomoção da bactéria, os flagelos são sede de antigénios flagelares ou H.
• As fímbrias são filamentos análogos dos flagelos, mas mais curtos, mais finos e mais numerosos. Não estão ligadas à locomoção, servindo antes para adesão ao meio, para adsorção de certos fagos ou para trocas de material genético (as fímbrias sexuais denominam‐se pili).
As bactérias dividem‐se por divisão binária simples.
As bactérias podem assumir várias formas, tomando designaçõse diferentes:
• Cocos – esféricos.
• Bacilos – alongados.
• Espirilos – espiralados.
Por vezes, os cocos surgem associados em formações cujo nome deriva do aspecto da formação:
• Diplococos – associação aos pares.
• Estreptococos – associação em fiadas.
• Estafilococos – associação em cacho.
• Sarcina – associação em cubos.
a) Formas L
Há bactérias que em determinadas condições, quer em meios de cultura, quer em organismos infectados, perdem a parede celular, mantendo o crescimento e a capacidade de se propagarem. Adquirem uma pressão osmótica muito baixa, o que lhes permite resistir a condições líticas para os protoplastos. Estas são as chamadas formas L. Uma das formas de conseguir obter formas L é através do uso de antibióticos, a que passam a ser insensíveis. As formas L são reversíveis à forma bacteriana normal.
b) Micoplasmas
Os micoplasmas são análogos às formas L no facto de também não terem parede, mas constituem um grupo aparte de bactérias com um ADN peculiar que os impede de reverter à forma original. São muito pequenos, passando através de filtros bacterianos.
c) Rickettsias
São parasitas facultativos das células eucarióticas, utilizando a energia destas por não possuírem um mecanismo de produção de energia. Só se multiplicam dentro de células. Nem sempre são retidas pelos filtros bacterianos.
d) Cianófitas
As cianófitas são seres procariontes que possuem um sistema membranoso fotossintético com clorofila e grânulos associados. Possuem um invólucro gelatinoso, tendo uma parede celular celulósico‐péptica. As cianófitas não têm flagelos.
O seu aparelho fotossintético é mais complexo do o das restantes bactérias fotossintéticas, sendo constituído por pilhas de membranas (lamelas), como nos cloroplastos das células vegetais. Entre estas lamelas fotossintéticas, e apresentando ligações com as membranas externas, observam‐se grânulos de 40 nm, denominados cianossomas ou ficobilinossomas, que contêm pigmentos acessórios da fotossíntese, denominados ficobilinas, de cor azul (ficocianinas) ou vermelha (ficoeritrinas).
2. Células eucarióticas
3. Vírus
Os vírus compõem‐se quimicamente dum ácido nucleico (ADN ou ARN), uma ou mais proteínas antigénicas e, às vezes, constituintes adicionais (lipídeos e polissacarídeos). Apresentam‐se sob a forma de partículas virosas ou viriões. Estes pertencem a três tipos fundamentais:
• Os viriões de simetria icosaédrica apresentam uma nucleocápside com 20 faces triangulares, constituídas por um mosaico de unidades estruturais proteicas dispostas em capsómeros, uns revestindo faces e arestas (hexões) e outros os vértices (pentões). O ácido nucleico encontra‐se no centro. Um exemplo típico desta estrutura é o adenovírus.
• Os virões de simetria helicoidal são alongados. As suas unidades estruturais dispõem‐se em hélice. Nos recessos da espira, o ácido nucleico dispõe‐se também em espiral. O interior é oco. O virião do mosaico do tabaco apresenta esta estrutura. Exteriormente, pode existir um invólucro de espículas proteicas ou contendo constituintes adicionais, como acontece no virião do vírus da gripe.
• Finalmente a estrutura pode ser mais complexa, como no exemplo do bacteriófago T2, que apresenta uma cabeça, onde se encontra o material genético, e uma cauda, donde saem fibras que servem para a fixação do virião à parede bacteriana.
O bacteriófago T2 infecta a Escherichia coli através dos passos a seguir descritos:
• A primeira fase denomina‐se fase de penetração. Em primeiro lugar, dá‐se a adsorção do fago à parede da bactéria por intermédio das fibras e da placa existente nos terminais da sua cauda. Depois, uma enzima de penetração presente na cauda do vírus digere as ligações glicosídicas do mucopeptídeo. A cauda do fago contrai‐se e injecta o ADN da cabeça na bactéria. Os restantes elementos do vírus permanecem no exterior.
• Segue‐se a fase de eclipse, com desorganização total do metabolismo bacteriano normal, começando a aparecer ARN mensageiro (ARNm) e proteínas precoces enzimáticas codificadas pelo ADN viroso.
• Surgem também moléculas de ADN viroso recém‐sintetizadas, tantas quantos os futuros fagos, e a respectivas proteínas estruturais, sintetizadas nos ribossomas da bactéria. Estes dois componentes sofrem a montagem em viriões que se libertam por lise da bactéria.
Com algumas adaptações, este mecanismo serve como princípio geral da infecção celular por vírus. Este é incapaz de se reproduzir fora das células, recorrendo para o efeito aos sistemas de replicação, transcrição e tradução da célula hospedeira.
4. Priões
III. Técnicas usadas em Biologia Celular e Molecular
No estudo das técnicas utilizadas em Biologia Celular e Molecular há dois aspectos fundamentais a considerar:
• O equipamento e
• A preparação do material.
Estes dois aspectos serão abordados de seguida, bem como algumas técnicas especializadas e a tecnologia recombinante do ADN.
1. Microscopia
O limite de resolução (distância mínima para a qual dois pontos‐objecto são visíveis como dois pontos‐imagem) do olho humano é de 0,1 mm (ou 100 μm). As estruturas intracelulares e a maioria das células estão para além deste limite de resolução, pois possuem dimensões inferiores a 100 μm. Os microscópios permitem aumentar o limite de resolução, isto é, permitem ver dois pontos‐objecto a distâncias menores que 100 μm como dois pontos‐imagem distintos. Há vários tipos de microscópios com diferentes limites de resolução, que serão estudados seguidamente.
a) Microscópio óptico de campo claro
Este microscópio é o mais utilizado para ver preparações histológicas e células onde não seja exigido grande pormenor estrutural.
O limite de resolução do microscópio é calculado utilizando a seguinte fórmula: αλsennRL×=61,0..(1).
• λ – Comprimento de onda da luz.
• n – Índice de refracção do meio abaixo da objectiva.
• α – Semi‐ângulo de abertura.
• n sen α – Abertura numérica da objectiva.
Se se utilizar uma radiação com comprimento de onda baixo e uma objectiva com abertura numérica grande, obtém‐se um limite de resolução maior, isto é, o valor obtido na equação acima é menor. Assim, utilizando uma radiação com comprimento de onda na região do visível obtém‐se um limite de resolução de o,25 μm, enquanto a utilização de radiação ultravioleta permite atingir um limite de resolução de 0,1 μm.
A ampliação fornecida pelo microscópio é calculada pelo produto das ampliações da objectiva e da ocular.
As lentes ópticas utilizadas nos microscópios de campo claro produzem três defeitos na imagem vista na ocular:
• Aberração de esfericidade – a porção marginal da lente aumenta mais do que a região central;
• Aberração cromática – o foco varia com o comprimento de onda da luz utilizada; e
• Curvatura de campo – produz uma imagem curva dos objectos.
b) Microscópio de campo escuro ou ultramicroscópio
No microscópio de campo escuro faz‐se incidir a luz na preparação obliquamente, graças a um condensador especial de campo escuro, sendo refractada com intensidade diferente pelas várias estruturas, que surgem brilhantes sobre um fundo escuro. A utilização deste microscópio permite detectar objectos que não se vêem com o microscópio de campo claro comum.
c) Microscópio de contraste de fase
No microscópio de contraste de fase os raios luminosos mais laterais que passaram pelo diafragma anular do condensador passam pelo anel de fase da objectiva, onde são difractados ¼ de comprimento de onda. Se entre o condensador e a objectiva esses raios laterais interceptarem materiais da preparação com índice de refracção maior do que o do meio, são novamente difractados ¼ de comprimento de onda, totalizando uma difracção de ½ comprimento de onda. Assim, os picos negativos destas ondas sobrepõem‐se aos picos positivos das ondas correspondentes aos raios mais centrais que não foram difractados (este fenómeno denomina‐se interferência). Devido à sobreposição das duas ondas, os objectos obscurecem, tornando‐se cinzentos ou negros, e assim ganhando contraste na ausência de coloração histológica.
Existem variantes deste tipo de microscópio:
• O microscópio de interferência mede as variações do índice de refracção que provocam o contraste e traduz essas variações em colorações variadas.
• No microscópio de interferência com contraste de Nomarski apenas um raio luminoso atravessa a preparação, sendo depois dividido em dois feixes que interferem mutuamente por um prisma birrefringente. Com este microscópio obtêm‐se imagens em relevo que se usam frequentemente no estudo da mitose.
d) Microscópio de polarização
O microscópio de polarização possui um prisma polarizador no condensador e um prisma analisador no tubo da ocular. Quando os respectivos planos de polarização são perpendiculares a luz não passa, a não ser que o objecto bi‐refringente ou anisotrópico2 interposto tenha dividido o plano de polarização da luz emitida pelo polarizador em dois.
e) Microscópio electrónico de transmissão
O microscópio electrónico utiliza electrões acelerados em vez das radiações electromagnéticas. Estes electrões possuem um comprimento de onda associado mais baixo do que aquelas.
Os electrões são emitidos pelo cátodo (um filamento de tungsténio), sendo acelerados pela diferença de potencial (V) com o ânodo, e possuem um comprimento de onda (λ) associado dado pela fórmula V2,12=λ(2). Este comprimento de onda é controlado através da variação dos campos magnéticos de fluxo variável produzidos por lentes electromagnéticas (condensador, objectiva e projector). As lentes possuem aberração de esfericidade e por isso usam‐se ângulos de abertura muito pequenos. Por este motivo, a equação 1 pode ser simplificada como segue: αλ×=61,0..RL(3)
Como se depreende da equação 2, que relaciona o comprimento de onda dos electrões com a diferença de potencial aplicado, quanto maior for a diferença de potencial menor é o comprimento de onda e menor é o limite de resolução. Geralmente, as diferenças de potencial utilizadas encontram‐se entre os 80‐100 kV. Em preparações de tecidos, a resolução do microscópio é de 15‐20 Å, devido à espessura dos cortes.
A imagem electrónica, invisível, é transformada em luz visível por um ecrã fluorescente. As estruturas contendo átomos de elevado número atómico desviam ou dispersam o feixe electrónico, que não passa através de diafragmas para atingir o ecrã, surgindo na imagem como zonas escuras (electrodensas).
2 A bi‐refringência é a propriedade dum objecto que contém estruturas com dois índices de refracção diferentes.
Um factor importante no desenvolvimento da microscopia electrónica foi a qualidade dos cortes. O material onde a preparação se encontra é feito de modo que não se parta quando é atravessado pelo feixe electrónico e são utilizadas lâminas de corte de vidro ou de diamante, que permitem a obtenção de cortes mais perfeitos, do que as lâminas de aço anteriormente utilizadas.
Actualmente, o microscópio electrónico tem aplicações em vários campos para além da Medicina e da Física, sendo utilizado pela indústria, por exemplo, na pintura e na aeronáutica.
f) Microscópio electrónico de varredura
No microscópio de varredura o feixe de electrões dum filamento é transformado numa mancha diminuta (0,01μm) por três lentes sucessivas. Essa mancha varre a superfície do objecto, que tem de ser condutora. Os elementos que se reflectem nela são recebidos; a corrente é ampliada e enviada para um tubo de raios catódicos. O seu limite de resolução é de 100 Å.
O microscópio de varredura é utilizado principalmente para estudo da superfície de objectos opacos.
g) Difracção de raios X
Esta técnica baseia‐se na emissão dum feixe de raios X colimados que atravessa um cristal, em que as moléculas e os átomos formam uma rede tridimensional. Os raios X são difractados e a imagem de difracção é colhida numa chapa fotográfica. A difracção de raios X serve para analisar a arquitectura molecular tridimensional da hemoglobina, do ADN, do colagénio e de muitas outras moléculas.
Existem microscópios electrónicos equipados com este dispositivo.
2. Preparação de material para microscopia
O material a ser observado no microscópio tem de ser fixado, corado e cortado em lamelas muito finas para poder ser observado. As etapas na preparação das amostras são três: fixação, inclusão e coloração.
• Na fixação matam‐se as células, mantendo a sua integridade morfológica. O material é colocado numa solução fixadora. Uma solução fixadora é uma mistura de vários fixadores, que permite obter o efeito desejado, que não pode ser atingido por nenhum fixador isoladamente. A solução mais usada para o efeito é a solução de Bouin, que é uma mistura de três fixadores. A sua cor amarelada deve‐se à presença de ácido pícrico. Outra solução também bastante utilizada é a solução de Carnoy, que tem a propriedade de preservar o ARN, sendo constituída por um álcool absoluto, motivo pelo qual se torna necessário desidratar o material. O grau de preservação obtido por um fixador varia muito, estando dependente do efeito pretendido. Todos os fixadores levam à desnaturação das proteínas. Um factor importante a ter em conta é o pH a que se procede à fixação. Este difere de tecido para tecido. O método mais comummente utilizado funciona com pH entre 6 e 8, pelo que se deve proceder ao tamponamento para obter estes valores de pH constantes. A temperatura tem igualmente influência. Para substâncias que vão ser observadas em microscopia de luz utilizam‐se temperaturas normais, mas para microscopia electrónica são utilizadas na fixação temperaturas muito baixas. Por vezes existe interesse em estudar apenas alguns organelos e não a célula toda; para isso existem fixadores próprios que fixam bem a estrutura pretendida, podendo o resto ficar morfologicamente alterado. Portanto, o fixador deve ser escolhido em função da estrutura que se pretende investigar.
• A etapa seguinte à fixação é a inclusão do material, que permite posteriormente cortá‐lo em lâminas de espessura da ordem dos 5‐8 μm sem alterar a sua estrutura. Na microscopia de luz utiliza‐se a inclusão em parafina. O processo consiste no seguinte:
o Antes de efectuar a inclusão propriamente dita é necessário desidratar a amostra, ou seja, retirar a água através da introdução daquela em soluções progressivamente crescentes de álcool etílico até se atingir o álcool absoluto. Os espaços deixados vazios pela água vão ser ocupados pela parafina líquida.
o Seguidamente, mergulha‐se a amostra na parafina líquida (que tem de ser aquecida para ficar nesse estado). Se a água não tivesse sido removida previamente, a parafina não penetraria e não daria a consistência necessária às estruturas para se realizar o corte; logo a amostra seria danificada nesse processo. Obtém‐se assim um bloco de parafina com a amostra no seu interior. Uma vez fixado e incluído o material, as suas propriedades não se alteram com o tempo.
o Pode finalmente efectuar‐se o corte da amostra em lamelas finas, utilizando para tal um micrótomo.
• O corte obtido é colocado sobre uma lâmina que se encontra numa superfície metálica aquecida em banho‐maria. Coloca‐se por cima uma solução que tem por finalidade promover a adesão do material à lâmina, por acção do calor. A etapa seguinte é a coloração, que tem como objectivo pôr em evidência determinadas estruturas celulares. Os corantes utilizados são soluções aquosas que, portanto, não se misturam com soluções hidrófobas como a parafina. Há, pois, que proceder a uma hidratação do material, que se realiza introduzindo a lâmina com o corte em álcool absoluto e depois em soluções alcoólicas de concentração decrescente. A parafina é removida e o seu lugar é ocupado pela água, podendo depois proceder‐se à coloração. O método de coloração usado mais correntemente é a associação de hematoxilina com eosina. A hematoxilina é um corante roxo. É uma substância básica, corando, portanto, substâncias ácidas. É a sua forma oxidada (hemateína) que é utilizada como corante, sendo que a forma reduzida não é corante. A oxidação da hematoxilina pode ser feita por exposição ao ar ou então com os sais férricos, iodato ou chumbo oxidado. A hemateína é uma substância com pouca afinidade para as estruturas que vai corar, sendo necessária a utilização duma outra substância para aumentar essa afinidade; essa substância chama‐se mordente. Procede‐se, pois, à coloração do material com a hemateína, seguindo‐se uma lavagem que tem por finalidade remover o corante nos locais onde ele não se fixou, ficando o núcleo e algumas pontuações no citoplasma corados de roxo. Seguidamente, realiza‐se a coloração com a eosina. A eosina é uma substância ácida; portanto com afinidade para as estruturas básicas, chamadas acidófilas ou eosinófilas. Como tem cor vermelha, vai tingir desta cor o citoplasma da célula. Depois de terminada a coloração, coloca‐se a lamela por cima do corte utilizando‐se uma cola para a fixar à lâmina. Normalmente é utilizado o bálsamo do Canadá, que é uma substância hidrófoba, pelo que se torna necessário proceder a uma nova desidratação, seguindo o processo descrito atrás.
Após este procedimento, a preparação encontra‐se pronta para ser observada em microscopia de luz.
Na preparação do material para microscopia electrónica seguem‐se os mesmos passos que para a microscopia de luz, mas as substâncias utilizadas e as condições são diferentes:
• A fixação do material é feita com o glutaraldeído e o tetróxido de ósmio. Este serve ao mesmo tempo de corante, visto que o ósmio possui um peso atómico elevado, sendo, por isso, uma substância electrodensa.
• A inclusão é efectuada numa substância de rigidez superior à da parafina, sendo normalmente utilizados ou epon ou a araldite. As lâminas utilizadas no corte são de vidro puro, cortadas segundo uma ângulo determinado, ou então têm um bordo de diamante. Os cortes são muito mais finos, e ficam a boiar em água, donde são recolhidos.
• Na coloração utiliza‐se acetato de uranilo e citrato de chumbo, que são substâncias electrodensas.
3. Técnicas especializadas
a) Cultura de células
Os modelos in vivo apresentam várias dificuldades, devido à impossibilidade de controlar muitas variáveis, devido aos sistemas homeostáticos, os quais contrabalançam as alterações induzidas experimentalmente. Por outro lado, quando se trata dum sistema in vivo humano, o seu estudo torna‐se ainda mais restrito devido aos imperativos éticos e legais. Para contornar estas dificuldades, isolam‐se células do organismo a que pertencem, podendo então estudar‐se essas células em condições experimentais controladas (variáveis condicionadas), podendo estabelecer‐se relações causais mais directas entre as variáveis a estudar e as respostas obtidas. Células em cultura primária ou por dissociação enzimática são colocadas em recipientes especiais contendo meio de cultura apropriado. A preparação das células faz‐se em câmaras de fluxo, sob condições de assepsia, e a cultura faz‐se em estufas com temperatura, humidade, e concentração de dióxido de carbono (CO2) controlados. Quando nestas condições, as células de tecidos animais e vegetais são capazes de sobreviver, de crescer, de se multiplicar e de se diferenciar. É frequente a utilização do microscópio de contraste de fase para a visualização das estruturas vivas obtidas com esta técnica.
Existem desvantagens na utilização de culturas secundárias, mas as vantagens que dela se retiram são muito superiores. A atestar este facto tem‐se que, actualmente, cerca de metade dos estudos sobre citologia e histologia são levados a cabo recorrendo a esta técnica.
A técnica da cultura de células é particularmente útil no estudo de:
• Actividade intracelular.
• Fluxos intercelulares.
• Interacções entre as células.
As células cultivam‐se a partir de:
• Pequenos fragmentos de tecidos ou órgãos, designados explantes.
• Células dissociadas dos tecidos e colocadas em suspensão, sendo a dissociação química ou mecânica (centrifugação).
Na cultura de células são importantes o meio e as condições de cultura. Os meios de cultura são numerosos e devem ser escolhidos conforme o tipo de estudos que se pretende realizar. Um meio típico contém:
• Ácidos aminados essenciais – arginina, cistina, glutamina, histidina, isoleucina, lisina, metionina, treonina, triptofano, tirosina, valina e leucina.
• Glicose.
• Vitaminas – riboflavina, biotina, colina, nicotinamida, tiamina e pantotenato.
• Iões – cloreto, fosfato, carbonato, sódio, potássio, cálcio e magnésio.
• Antibióticos – destinam‐se a evitar que a cultura seja invadida por microrganismos. Utilizam‐se, por exemplo, a penicilina e a estreptomicina.
• Atmosfera adequada – no ar, a concentração de CO2 é muito baixa (inferior a 1%); no entanto, no meio intercelular, essa concentração é bastante superior (cerca de 5%), devendo‐se tal diferença ao facto de as células libertarem o CO2 resultante do seu metabolismo para o espaço intercelular. O meio de cultura deve ter uma concentração de CO2 semelhante à do meio intercelular in vivo, sob pena de as células alterarem o seu pH e outras características bioquímicas.
Para a realização duma cultura de células é necessário equipamento próprio:
• Câmara de fluxo laminar, onde, em condições de assepsia, se efectua a preparação e manipulação das culturas.
• Estufa de incubação com humidade, temperatura e concentração de CO2 controladas. Na cultura de órgãos é também necessário controlar a concentração de oxigénio.
• Microscópio de contraste de fase, para controlo do crescimento das culturas e para as fotografias que seja necessário tirar.
• Autoclave para esterilização do material.
• Recipientes de cultura (frascos, placas de Petri, tubos, etc.).
• Instrumentos cirúrgicos (tesouras, pinças, etc.).
Existem dois tipos de culturas de células: as culturas primárias e as culturas secundárias.
• As culturas primárias são culturas preparadas directamente a partir dos tecidos.
• As culturas secundárias resultam de amostras de células retiradas de culturas primárias.
b) Auto‐radiografia
A auto‐radiografia permite detectar a presença na célula de substâncias químicas que incorporam precursores radioactivos. O detector é uma emulsão fotográfica colocada em camada fina sobre o corte. As radiações provenientes deste atingem os cristais de brometo de prata da emulsão, que, durante a revelação fotográfica, desenvolvem grãos de prata metálica, visíveis ao microscópio óptico como pontos ou ao microscópio electrónico como espirais.
As macromoléculas são constituídas por moléculas mais simples, os monómeros. Se se adicionar um monómero radioactivo ao meio onde a célula se encontra, esta vai incorporá‐lo nas suas macromoléculas. Essa substância radioactiva tem um decaimento, libertando partículas ou radiações que vão impressionar a emulsão fotográfica.
A auto‐radiografia é utilizada, por exemplo, nos estudos envolvendo o ARN, utilizando‐se o 3H‐uracilo (porque apenas é incorporado no ARN e não no ADN). Incubam‐se células em cultura num meio contendo aquele composto em excesso, passando‐se depois o material para outro meio contendo desta vez uracilo não marcado. Quando o ARN começa a ser transcrito, é incorporado o uracilo marcado. A transcrição pode ser parada em qualquer momento através da fixação do material. Coloca‐se então a emulsão fotográfica, aguarda‐se algum tempo e revela‐se; os grãos de prata formados indicam a presença do uracilo marcado e, consequentemente, do ARN que estava a ser transcrito.
Outro exemplo onde a auto‐radiografia pode ser utilizada é no estudo da síntese proteica, utilizando um ácido aminado marcado. Ao ser incorporado nas proteínas, é possível seguir o seu trajecto intracelular e saber os locais onde a síntese ocorre.
c) Citoquímica e histoquímica
A citoquímica distingue‐se da histoquímica no nível de organização que se pretende estudar: na primeira o alvo da técnica é a célula e na segunda o objectivo é o tecido. De resto, os métodos utilizados são iguais nas duas, recorrendo‐se a determinadas reacções características que permitem identificar os constituintes celulares que as apresentam.
O produto final obtido é o resultado de reacções químicas bem conhecidas. São exemplos a reacção de Feulgen, o PAS e a reacção de Gomori.
• A reacção de Feulgen consiste em tratar o material com ácido clorídrico, que hidrolisa as bases azotadas das pentoses, deixando os seus grupos aldeído livres. Posteriormente, utiliza‐se o reagente de Schiff, que cora a desoxirribose do ADN de vermelho. Este método é utilizado para permitir a visualização do ADN nuclear, ficando o núcelo corado de vermelho nos pontos onde existe cromatina, e os nucléolos brancos. Para dar contraste utiliza‐se um corante verde, que cora o citoplasma.
• O PAS (periodic acid and Schiff) é um método em que o material a ser corado passa pelo ácido periódico, que expõe as funções aldeído dos glicídeos, e, em seguida, pelo reagente de Schiff, que cora os aldeídos de vermelho. É utilizado para observação do glicocálice, de microvilosidades, da membrana basal, de células caliciformes, etc.
• O método de Gomori para a fosfátase ácida será explicado mais adiante, no capítulo sobre os lisossomas.

d) Imunocitoquímica e imuno‐histoquímica
À semelhança das técnicas anteriores, a diferença entre a imunocitoquímica e a imuno‐histoquímica prende‐se com o alvo da técnica, sendo este, para a primeira, os antigénios celulares e, para a segunda, os antigénios tecidulares.
As técnicas são baseadas no sistema imunitário do organismo, o qual, quando em contacto com uma substância estranha (o antigénio), sintetiza outra substância (o anticorpo) que reage com a primeira e forma um complexo (complexo antigénio‐anticorpo), inócuo, que precipita.
Para se localizarem os antigénios nas células ou nos tecidos é necessário obter antes os respectivos anticorpos (γ‐globulinas produzidas pelo organismo em contacto com o antigénio). Para o efeito, procede‐se à imunização de animais com o antigénio em estudo. O sistema imunitário do animal em causa produz anticorpos contra esse antigénio que são, então, isolados e marcados com fluorocromos ou materiais electrodensos (ferritina, enzimas, ouro, etc.), consoante se destine a observação em microscopia de luz ou electrónica, respectivamente.
Uma vez obtidos, os anticorpos marcados são colocados em contacto com a amostra, fixando‐se ao antigénio que se pretende estudar, caso ele se encontre presente. Seguidamente, lava‐se a amostra para retirar anticorpos que não tenham reagido com o antigénio e observa‐se ao microscópio. A localização da fluorescência identifica o antigénio.
Alternativamente, pode utilizar‐se o antigénio para detectar a presença do anticorpo.
e) Fraccionamento celular
O fraccionamento celular é uma técnica que permite a obtenção de fracções relativamente puras de organelos ou inclusões celulares.
Em primeiro lugar, é obtido um homogeneizado de células ou fragmentos de tecidos. Este homogeneizado pode ser obtido pela acção mecânica dum pistão girando num cilindro contendo a amostra ou pela acção dos ultra‐sons. O isolamento dos componentes celulares é efectuado por centrifugação fraccionada (série de centrifugações). O isolamento duma substância depende do seu coeficiente de sedimentação (tamanho, forma e densidade) e da densidade e viscosidade do meio. O isolamento pode também ser realizado por centrifugação contra gradiente, na qual a solução colocada no tubo de centrifugação não tem densidade homogénea, mas sim densidade que aumenta da superfície para o fundo, de modo contínuo ou descontínuo, permitindo a separação de organelos das mesmas dimensões mas de densidades diferentes.
As primeiras substâncias isoladas são os núcleos, depois as mitocôndrias, os lisossomas e os peroxissomas, depois os microssomas e finalmente o retículo endoplasmático e os ribossomas.
f) Coloração negativa para microscopia electrónica
Esta técnica baseia‐se na deposição de material amorfo e denso aos electrões à superfície de objectos biológicos. Quando é empregue a coloração negativa, o material surge claro contra um fundo escuro. Os corantes negativos habituais são o molibdato de amónio, o acetato de uranilo e o fosfotungstato de sódio ou de potássio.
A coloração regressiva com EDTA é um exemplo desta técnica. Este processo de coloração é utilizado para o ARN em microscopia electrónica. Quando se chega à fase de coloração, utiliza‐se como corante o acetato de uranilo, embebendo‐se em seguida em EDTA, o qual remove o acetato de uranilo nos locais onde este se encontrava ligado ao ADN, mas não onde se encontrava ligado ao ARN. Em consequência, o ADN surge branco e o ARN escuro. Para reforço da imagem utiliza‐se o citrato de chumbo.
g) Sombreamento metálico
Para efectuar esta técnica dispõe‐se metal vaporizado sob vácuo elevado (10‐5 Torr), fazendo incidir o feixe de metal segundo em ângulo apropriado. Este método é utilizado para observação de organismos de pequenas dimensões, tais como bactérias, partículas virosas, fragmentos de organelos ou de células, ou sobre réplicas de superfícies.
O lado da estrutura que recebe o metal surge mais escuro no microscópio electrónico, mas nas fotografias de microscopia electrónica surge mais claro, devido à inversão fotográfica.
h) Crio‐fractura
Esta técnica tem contribuído muito para o estudo das membranas biológicas. A sua elaboração desenvolve‐se em várias etapas:
• Fixação do material.
• Impregnação em glicerol a 20%.
• Fixação física, consistindo em congelação, praticamente instantânea, mergulhando a peça em freon liquefeito (‐150°C) por acção do azoto líquido.
• Fractura ou clivagem realizada numa câmara de alto vácuo (10‐6 Torr) a ‐120°C, pelo impacto duma lâmina congelada. A fractura segue, geralmente, zonas hidrofóbicas no interior da membrana ou na superfície desta.
• Sublimação, nas mesmas condições (só para crio‐moldagem), de algum gelo, de modo a acentuar o relevo da superfície.
• Réplica ou molde, realizado com uma cobertura da superfície por fino depósito de carbono, com posterior sombreamento metálico com platina ou ouro.
• Separação da réplica.
• Montagem sobre a grelha para microscopia electrónica.
Depois da fractura, a metade mais próxima do citoplasma, do nucleoplasma, do estroma do cloroplasto ou da matriz mitocondrial é a metade protoplasmática, ou simplesmente metade P, e a metade próxima do espaço extracelular, endoplasmático ou exoplasmático é a metade extracelular, exoplasmática ou endoplasmática, ou simplesmente metade E.
As duas faces da fractura podem ser distinguidas por três características:
• A face P tem geralmente mais partículas (proteínas ou porções de proteínas) do que a face E.
• Observando as microelectrografias na direcção em que se fez o sombreamento metálico, as faces P aparecem convexas e as faces E côncavas.
• A criofractura é o único método que permite observar ao microscópio electrónico o interior hidrofóbico das membranas. As faces de fractura apresentam pequenas saliências (partículas intramembranosas) de natureza proteica. A maioria das proteínas integrais observam‐se na face P. Podem utilizar‐se métodos citoquímicos que localizam e identificam os componentes das membranas nas faces de fractura.
4. Tecnologia recombinante do ADN
Sabendo‐se que a estrutura de dupla hélice do ADN é preservada por ligações fracas (pontes de hidrogénio e interacções hidrofóbicas estabelecidas entre as bases empilhadas), é possível separar as duas cadeias através de métodos que envolvem, por exemplo, aquecimento ou alcalinização do pH. Esta separação é denominada desnaturação do ADN. A temperatura necessária para romper os pares C‐G (unidos por três pontes de hidrogénio) é maior do que a necessária para romper os pares A‐T (unidos por duas pontes de hidrogénio). Por este motivo, a temperatura à qual ocorre a separação das cadeias do ADN (ponto de desnaturação) depende da razão entre os dois tipos de pares (A‐T e C‐G).
Se após a desnaturação o ADN for lentamente arrefecido, as cadeias complementares emparelham de forma ordenada, restabelecendo a conformação original. Este processo, denominado reestruturação, é consequência das propriedades das nucleotídeos relativas ao emparelhamento de bases.
A reestruturação do ADN é um instrumento de grande utilidade para a biologia molecular, pois pode ser utilizada, por exemplo, para estimar o comprimento (número de pares de bases) do genoma dum dão organismo. Um genoma grande leva mais tempo para se reestruturar do que uma pequeno,sendo o ADN reestruturado em condições padronizadas. Isto ocorre porque as sequências individuais levam mais tempo para encontrar os seus pares correctos, pois, quanto maior o genoma, maior a probabilidade de ocorrerem colisões incorrectas entre as moléculas.
Os estudos da reestruturação permitem também detectar sequências repetitivas do ADN eucariótico. Quando certas sequências de ADN são repetidas diversas vezes, a velocidade da reestruturação é maior do que para sequências presentes em cópias únicas. Algumas sequências, denominadas ADN satélite, podem repetir‐se milhões de vezes no genoma.
Uma molécula de ADN de cadeia única pode também reestruturar‐se com uma molécula complementar de ARN, resultando uma molécula híbrida, onde há uma cadeia de ADN e outra de ARN. A hibridação molecular é um método bastante poderoso para caracterizar moléculas de ARN, pois cada molécula destas se combinará apenas com o ADN de que foi transcrita.
a) Aplicações da tecnologia recombinante do ADN
IV. Componentes químicos da célula
Os componentes químicos da célula dividem‐se em grandes grupos: os compostos inorgânicos (água – 70 a 80% ‐ e iões) e os compostos orgânicos (glicídeos, lipídeos, protídeos, ácidos nucleicos e outras moléculas).
1. Água
A água é fundamental para a vida; foi na água que esta se iniciou, sendo os seres vivos em grande maioria constituídos por água.
A célula contém água em duas formas: livre (95% do total) e ligada (5% do total) por pontes de hidrogénio e ligações iónicas a compostos orgânicos e inorgânicos.
A sua geometria molecular é também digna de relevo, pois a distribuição assimétrica das cargas fá‐la actuar como um dipólo, podendo ligar‐se electrostaticamente a grupos com carga positiva ou negativa.
2. Iões
Os sais minerais presentes no organismo encontram‐se em solução aquosa, e por isso ionizados. Os iões mais importantes são o cloro, o sódio, o potássio (estes três iões são importantes na condução nervosa), o magnésio, o cálcio (importante na contracção muscular), o fosfato (importante nas reacções metabólicas), o ferro (importante na síntese de hemoglobina, dos citocromos, etc.), etc.
3. Ácidos nucleicos
Os ácidos nucleicos são macromoléculas de suma importância biológica. Todos os organismos vivos contêm ácidos nucleicos, na forma de ADN e ARN. Alguns vírus contêm apenas ADN, enquanto outros contêm apenas ARN.
O ADN é o principal armazém da informação genética. Esta informação é copiada ou transcrita para moléculas de ARN, cujas sequências de nucleotídeos contêm o código para a ordenação específica dos ácidos aminados na proteína. As proteínas são então sintetizadas num processo que envolve a tradução do ARN. Esta sequência de eventos é o dogma central da biologia molecular.
Em células superiores, o ADN localiza‐se principalmente no núcleo, dentro dos cromossomas. Uma pequena quantidade de ADN encontra‐se no citoplasma, contida nas mitocôncrias e nos cloroplastos das células vegetais. O ARN está presente tanto no núcleo, onde é sintetizado, como no citoplasma, onde tem lugar a síntese proteica.
Os ácidos nucleicos são compostos por uma molécula glicídica (uma pentose), bases azotadas (purinas e pirimidinas) e ácido fosfórico. A molécula de ácido nucleico é um polímero linear no qual os monómeros (nucleotídeos) se encontram interligados por pontes ou ligações fosfodiéster. Estas ligações unem o carbono 3’ da pentose dum nucleotídeo ao carbono 5’ da pentose do nucleotídeo adjacente. Assim sendo, o esqueleto dum ácido nucleico é composto por fosfatos e pentoses alternados. As bases azotadas estão ligadas às pentoses destes esqueletos por ligações N‐glicosídicas, entre o N1 da base pirimídica ou o N9 da base púrica e o C1 da pentose. O ácido fosfórico utiliza dois dos seus três grupos ácidos nas ligações diéster 3’‐5’. O grupo remanescente confere ao nucleotídeo as suas propriedades ácidas e possibilita a formação de ligações iónicas com proteínas básicas, as histonas. Este grupo ácido livre também leva os ácidos nucleicos a serem altamente basófilos, ou seja, a corarem facilmente com corantes básicos, como a hemateína.
As pentoses são de dois tipos: ribose e desoxirribose. A única diferença entre estes dois compostos é a presença dum átomo de oxigénio na estrutura da ribose, que se encontra ausente na desoxirribose. A reacção de Feulgen é uma reacção citoquímica específica para a desoxirribose, que pode ser empregue para a visualização de ADN ao microscópio. A ribose é exclusiva do ARN, enquanto a desoxirribose é a pentose presente no ADN.
As bases encontradas nos ácidos nucleicos são também de dois tipos: pirimídicas e púricas. As bases pirimídicas possuem um único anel heterocíclico, enquanto as púricas têm dois anéis unidos. No ADN, as bases pirimídicas são a timina (T) e a citosina (C), enquanto no ARN a timina é substituída pelo uracilo (U). As bases púricas são a adenina (A) e a guanina (G) tanto no ADN como no ARN.
Existem duas diferenças principais entre a estrutura do ARN e a do ADN:
• O ADN possui uma molécula de desoxirribose, enquanto o ARN possui ribose na sua estrutura.
• O ADN contém timina, enquanto o ARN contém uracilo. Esta diferença tornou possível aos biólogos moleculares o uso de timidina radioactiva como marcador selectivo para o ADN e a uridina radioactiva como marcador específico para o ARN.
A combinação duma base e uma pentose, sem o fosfato, compõe o nucleosídeo. Por exemplo, a adenina é a base púrica e a adenosina é o nucleosídeo correspondente. O nucleotídeo é o conjunto do nucleosídeo com uma, duas ou três moléculas de fosfato. Assim, no exemplo anterior, o monofosfato, o bifosfato e o trifosfato de adenosina (ATP) são os nucleotídeos da adenina.
Além de actuarem como as unidades dos ácidos nucleicos, os nucleotídeos são também importantes no armazenamento e mobilização de energia. As duas ligações fosfato terminais do ATP contêm grande quantidade de energia. Quando estas ligações são quebradas, a energia lib ertada pode ser empregue na realização de diversas reacções celulares. A ligação ~P de alta energia torna a célula capaz de acumular grande quantidade de energia num espaço pequeno, mantendo‐a pronta para ser utilizada quando necessário.
a) Composição básica do ADN
O ADN está presente nos organismos vivos na forma de moléculas lineares de peso molecular extremamente elevado. A Escherichia coli, por exemplo, possui uma molécula única circular de ADN que pesa em torno de 2,7 × 109 Da e tem um comprimento total de 1,4 nm. Em organismos superiores, a quantidade de ADN pode ser vários milhares de vezes superior; por exemplo, o ADN duma única célula diplóide humana, se totalmente esticado, teria um comprimento total de 1,7 m. Toda a informação genética dum organismo vivo está armazenada na sequência linear das quatro bases azotadas. Portanto, um alfabeto de quatro letras (A, T, C e G) deve codificar a estrutura primária (isto é, a sequência de ácidos aminados) de todas as proteínas.
Uma das descobertas mais extraordinárias da biologia molecular foi a elucidação deste código. Um prólogo desta descoberta, que tem ligação directa com o entendimento da estrutura do ADN, foi o achado de que existiam regularidades previsíveis no conteúdo das bases. Entre 1949 e 1953, Chargaff estudou detalhadamente e composição do ADN, tendo observado que, apesar da composição de bases variar duma espécie para outra, a quantidade de adenina era igual à de timina em todos os casos. Foi também notado que o número de bases de guanina e de citosina era também igual. Consequentemente, a quantidade total de purinas equivale à de pirimidinas, isto é, A + G = C + T. Por outro lado, a razão entre A e T e C e G varia consideravelmente entre espécies.
b) Estrutura tridimensional do ADN
Em 1953, baseados nos dados de difracção de raios X de Wilkins e Franklin, Watson e Crick propuseram um modelo de estrutura do ADN que explicava a regularidade da sua composição de bases e as suas propriedades biológicas, particularmente a sua replicação na célula. Segundo a sua teoria, a estrutura do ADN é composta por duas cadeias helicoidais de polinucleotídeos com giro para a direita, formando uma dupla hélice em torno dum eixo central. As duas cadeias são antiparalelas, ou seja, as suas ligações fosfodiéster 3’‐5’ correm em direcções opostas. As bases estão empilhadas dentro da hélice, num plano perpendicular ao seu eixo.
As duas cadeias são unidas por pontes de hidrogénio estabelecidas entre os pares de bases. Desde que exista uma distância fixa entre as duas moléculas de desoxirribose nas cadeias opostas, somente certos pares de bases podem encaixar na estrutura. Os únicos pares possíveis são A‐T e C‐G. Entre A e T estabelecem‐se duas pontes de hidrogénio, enquanto existem três pontes entre C e G, tornando, portanto, o par C‐G mais estável do que o par A‐T. Além das pontes de hidrogénio, as interacções hidrofóbicas estabelecidas entre as bases empilhadas são importantes para a manutenção da estrutura em dupla hélice.
A sequência axial de bases ao longo duma cadeia polinucleotídica pode varia consideravelmente, porém a sequência da outra cadeia deve ser obrigatoriamente complementar. Assim, durante a replicação do ADN as duas cadeias dissociam‐se e cada uma age como um molde para a síntese da nova cadeia complementar. Assim sendo, são produzidas duas moléculas de ADN de cadeia dupla possuindo a mesma constituição molecular.
c) Estrutura do ARN: classes e conformação
A estrutura primária do ARN é semelhante à do ADN, excepto pela substituição da ribose por desoxirribose e do uracilo pela timina, como foi anteriormente discutido. A composição de bases de ARN não segue as normas de Chargaff, pois as moléculas de ARN são compostas por uma única cadeia. Existem três classes principais de ARN: o ARN mensageiro (ARNm), o ARN de transferência (ARNt) e o ARN ribossómico (ARNr). Todas a classes de ARN estão envolvidas na síntese proteica.
• O ARNm transporta a informação genética para a sequência de ácidos aminados, sendo complementar da cadeia de ADN a partir da qual é transcrito e possuindo grupos de três nucleotídeos (que constituem cada um um codão). Nos ribossomas do citoplasma, cada codão dá a chave para a adição dum ácido aminado à molécula proteica em formação. Existem 64 codões no código genético.
• O ARNt identifica e transporta as moléculas de ácidos aminados até ao ribossoma. Existe no citoplasma, sendo fcomposto por 75 a 90 nucleotídeos. Na extremidade 3’ existe ema sequência CCA, que é identificada em todos os ARNt e é importante porque o ácido aminado se liga à ribose do ácido adenílico terminal. A molécula tem a configuração de trevo, no qual existe um anticodão (grupo de três nucleotídeos complementar do codão dos respectivo ARNm). Há um ARNt para cada ácido aminado e a energia para a ligação éster é fornecida pelo ATP.
• O ARNr representa 50% da massa dos ribossomas3. Nas células eucarióticas, a subunidade grande (velocidade de sedimentação de 60S) contém ARNr de 28S, ARNr de 5,8S, ARNr de 5S e cerca de 45 proteínas, enquanto a subunidade pequena (40S) contém ARNr de 18S e cerca de 30 proteínas. Nas células procarióticas a subunidade grande (50S) contém ARNr de 26S e 5S e aproximadamente 34 proteínas e a subunidade pequena (30S) possui ARNr de 16S.
( 3 Os ribossomas são organelos ribonucleoproteicos que fornecem suporte molecular para as reacções químicas da síntese dum polipeptídeo. São compostos por uma sub‐unidade grande e uma sub‐unidade pequena.) e cerca de 21 proteínas. Apesar da molécula de ARNr possuir uma única cadeia polinucleotídica, a sua estrutura tridimensional não é linear. As moléculas de ARN possuem extensas regiões complementares entre si, entre as quais se formam pontes de hidrogénio A‐U e C‐G, unido diferentes porções da mesma molécula. Em resultado deste facto, a molécula dobra‐se sobre si mesma, formando estruturas denominadas ansas. A molécula de ARN adopta nas regiões onde há emparelhamento de bases uma estrutura helicoidal comparável à do ADN. A estrutura compacta das moléculas de ARN dobradas sobre si próprias tem importantes consequências biológicas. Por exemplo, no caso do bacteriófago MS2, a sequência que indica o sítio de início da síntese proteica encontra‐se numa porção da molécula inacessível aos ribossomas, podendo apenas ser expressa quando factores adicionais desdobrem a molécula.
4. Glicídeos
O glicídeos são compostos por carbono, oxigénio e hidrogénio e são a principal fonte de energia celular, sendo também importantes componentes estruturais das membranas celulares e de substâncias intercelulares. Os glicídeos são classificados de acordo com o número de monómeros que contêm. Os glicídeos com importância biológica são monossacarídeos, dissacarídeos e polissacarídeos.
• Os monossacarídeos são glicídeos simples que possuem a fórmula geral: Cn(H2O)n. O valor de n identifica os monossacarídeos em trioses, pentoses ou hexoses consoante apresentem 3, 5 ou 6 carbonos, respectivamente.
o As pentoses ribose e desoxirribose são encontradas nos ácidos nucleicos.
o A glicose é uma hexose indispensável, pois é a fonte de energia primária da célula. Outras hexoses importantes são a galactose, a frutose e a manose.
Da substituição, nas oses, dum grupo hidroxilo por uma função amina derivam as osaminas, e através da oxidação da função álcool primária, originando uma função carboxilo, produzem‐se os ácidos urónicos. Estes dois derivados (osaminas e ácidos urónicos) são compostos importantes do ponto de vista biológico.
• Os dissacarídeos são glicídeos formados pela condensação de dois monossacarídeos, com perda duma molécula de água e o estabelecimento duma ligação glicosídica 1‐4 (entre o carbono 1 duma ose e o carbono 4 da outra). A sua fórmula geral é C2n(H2O)2(n‐1). Os membros mais importantes deste grupo são a sacarose (formada por glicose e frutose, unidas por uma ligação glicosídica 1‐2), a lactose (formada por galactose e glicose, unidas por uma ligação glicosídica 1‐4) e a maltose (formada por duas moléculas de glicoses unidas por uma ligação glicosídica 1‐4).
• Os polissacarídeos resultam da condensação de muitos monómeros de oses (com ligações glicosídicas 1‐4 e 1‐6), com perda correspondente de moléculas de água. A sua fórmula geral é [Cn(H2O)n‐1]m. Após hidrólise originam monossacarídeos simples. Nos organismos vivos, os polissacarídeos mais importantes são o amido e o glicogénio, substâncias de reserva em células vegetais e animais, respectivamente, e a celulose, o mais importante elemento estrutural da parede das células vegetais. Todas estas três substâncias são polímeros de moléculas de glicose, diferindo, porém, na maneira pela qual se encontram associadas. O glicogénio é uma molécula ramificada onde os monómeros de glicose podem ser reunidos por dois tipos de ligação. Outros polissacarídeos são os dextranos e a quitina (constituinte da carapaça dos insectos e outros artrópodes). Os polissacarídeos complexos são compostos por oses e compostos azotados, como a glicosamina, que também podem ser acetilados ou substituídos por ácido sulfúrico ou fosfórico (a fosforilação da glicose, por exemplo, é importante para se iniciar a glicólise). Estes polímeros são importantes para a organização molecular, particularmente como substâncias intercelulares. São frequentemente encontrados em combinação com proteínas ou lipídeos.
a) Glicoproteínas
As glicoproteínas são complexos compostos por uma proteína ligada a cadeias laterais glicídicas curtas e ramificadas, contendo galactose, manose, fucose, acetil‐hexosamina e, por vezes, ácido siálico. São PAS positivas e podem ser celulares ou de secreção.
• As glicoproteínas celulares encontram‐se principalmente na membrana celular, com a molécula de hidrato de carbono estendendo‐se para fora da célula, e possuem importantes funções na interacção e reconhecimento da membrana.
• As glicoproteínas de secreção são produzidas por muitos tipos diferentes de células (por exemplo, hepáticas, tiroideias e plasmócitos).
Na maior parte dos casos, a proteína está ligada à molécula de hidrato de carbono através dum resíduo de asparagina (Asn) presente na primeira. Uma característica constante das glicoproteínas ligadas por asparagina é um “núcleo” pentassacarídeo constituído por N‐acetil‐glicosamina (GlcNAc) e manose, ao qual estão ligadas duas cadeias laterais (R e R’), que diferem nas diversas proteínas em extensão e composição. Este complexo é sintetizado em duas fases, cada uma delas ocorrendo em locais diferentes da célula. O “núcleo” é unido à proteína dentro do retículo endoplasmático, à medida que os peptídeos estão a ser sintetizados, enquanto as cadeias laterais são unidas posteriormente no complexo de Golgi, por enzimas denominadas glicosiltransférases. O núcleo oligossacarídico é inicialmente organizado num transportador líquido (dolicol‐fosfato) e então transferido para a molécula proteica. A função do transportador lipídico é permitir que o oligossacarídeo hidrofílico atravesse a membrana do retículo endoplasmático.
b) Proteoglicanos
São semelhantes às glicoproteínas, mas a sua porção glicídica é mais importante do que a porção proteica. Contêm ácido glicurónico e esteres sulfatados de hexoses. São metacromáticos, corando pelo azul de Alcian e pelo ferro coloidal.
Na síntese dos proteoglicanos, as primeiras oses – galactose e xilose – são adicionadas à proteína no retículo endoplasmático rugoso, sendo a síntese completada no complexo de Golgi, à semelhança das glicoproteínas.
5. Lipídeos
Os componentes deste grupo são caracterizados pela sua relativa insolubilidade na água e solubilidade em solventes orgânicos. Esta propriedade geral dos lipídeos pode ser atribuída à predominância de longas cadeias lineares de hidrocarbonetos ou anéis benzénicos não polares e hidrofóbicos.
a) Triacilgliceróis
Os triacilgliceróis são tri‐ésteres de ácidos gordos e glicerol. Os ácidos gordos possuem longas cadeias de hidrocarbonetos com a fórmula geral: HOOC–(CH2)n–CH3.
Os ácidos gordos possuem sempre um número par de carbonos, pois são sintetizados através da junção de unidades acetilo de dois carbonos. O ácido palmítico, por exemplo, possui 16 carbonos, e o esteárico, 18. Por vezes, a cadeia de hidrocarboneto possui ligações duplas, denominando‐se o ácido gordo não saturado ou insaturado, ao contrário daqueles que não possuem ligações múltiplas, que se designam saturados. As ligações duplas aumentam a flexibilidade da cadeia de hidrocarboneto e, consequentemente, a fluidez das membranas biológicas.
Os grupos carboxilo dos ácidos gordos reagem com os grupos álcool do glicerol, formando triacilgliceróis, que se acumulam no tecido adiposo e são utilizados pelo organismo para o armazenamento de energia. O estado de oxidação das cadeias longas de hidrocarbonetos é bastante baixo; portanto, elas libertam grande quantidade de energia (em torno de duas vezes mais calorias por grama do que os glícidos e as proteínas) quando oxidadas para formar dióxido de carbono e água nas células.
b) Fosfolipídeos e membranas biológicas
Nem todos os lipídeos são substâncias de reserva. Foi mencionado anteriormente que algumas moléculas deste grupo são importantes componentes estruturais da célula e, particularmente, das membranas celulares.
Os fosfolipídeos possuem somente dois ácidos gordos ligados à molécula de glicerol. O terceiro grupo hidroxil do glicerol é esterificado pelo ácido fosfórico, ao invés do ácido gordo. Este fosfato é também ligado a uma segunda molécula de álcool, que pode ser a colina, a etanolamina, o inositol ou a serina, dependendo do tipo de fosfolipídeo.
Os fosfolipídeos possuem duas caudas de ácidos gordos hidrofóbicos longos e uma cabeça hidrofílica (polar) que contém fosfato. Assim sendo, os fosfolipídeos são moléculas anfipáticas (isto é, contêm uma região hidrofílica e outra hidrofóbica), e a sua configuração é responsável por muitas das propriedades das membranas biológicas. Estas membranas são camadas duplas de fosfolipídeos, com as extremidades hidrofílicas (regiões que contêm fosfato) posicionadas na face em contacto com a água e as longas extremidades hidrofóbicas dispostas no interior. Os fosfolipídeos misturados com água adoptam espontaneamente o arranjo de camada dupla, com as extremidades polares voltadas para o exterior. Este princípio de auto‐montagem, no qual o arranjo de estruturas complexas surge exclusivamente das propriedades físico‐químicas dos seus componentes moleculares, é característica dos sistemas vivos. Os vírus e ribossomas, por exemplo, arranjam‐se de maneira semelhante.
c) Esfingolipídeos
Na molécula esfingolipídica, o álcool que estabelece a ligação amida com o ácido gordo (que é único) é o esfingol (derivado da esfingarina).
A presença do esfingol origina lipídeos especiais, pois forma uma ligação amida com o ácido gordo, através do grupo NH2 do carbono 2 do álcool. Os ácidos gordos que se ligam ao esfingol são de cadeia longa, como por exemplo o ácido linocérico, o ácido cerebrónico e o ácido nevrónico, recebendo o conjunto do álcool com o ácido gordo o nome de ceramida.
As ceramidas são substâncias altamente polarizadas constituintes das membranas celulares, contribuindo para a organização destas.
As esfingomielinas são esfingolipídeos que envolvem as fibras nervosas (fazem parte das bainhas de mielina das células de Schwann ou dos oligodendrócitos). São formadas por uma ceramida ligada a um ácido aminado, como no caso da esfingofosfocolina, que é constituída por uma ceramida ligada à fosforilcolina através do hidroxilo do carbono 1 do esfingol.
Nos esfingoglicolipídeos encontra‐se uma ose no lugar do ácido fosfórico e do ácido aminado. Se essa ose for a galactose, trata‐se dum cerebrosídeo, e se a ose se encontrar sulfatada, está‐se perante um sulfatídeo. Outras oses que podem encontrar‐se ligadas à ceramida são a glicose, a manose, a frutose, etc. Estas oses podem formar cadeias, como a glicosamina, a galactosamina, a N‐acetil‐galactosamina, a N‐acetil‐glicosamina, o ácido siálico e o ácido N‐acetil‐neuramínico, que se ligam à ceramida.
d) Colesterídeos e Esteróides
O colesterol é um álcool que pode ser esterificado pelos ácidos gordos, formando os colesterídeos.
O colesterol entra no organismo através da alimentação. Trata‐se duma substância de origem animaol, sendo sintetizada no organismoa a partir da acetil‐coenzima A (acetil‐CoA), tendo, por isso, como precursores todas as substâncias que levam à formação de acetil‐CoA, isto é, glicídeos, lipídeos e protídeos.A estrutura hidrófoba dos colesterídeos é‐lhes conferida pelo ácido gordo de cadeia longa e pal estrutura hidrófoba do colesterol (derivado do ciclopentanoper‐hidrofenantreno).
e) Glicolipídeos
Os glicolipídeos são lipídeos ligados a glicídeos e localizam‐se essencialmente na membrana plasmática celular. Aslguns glicolipídeos neutros são dotados de propriedades antigénicas, como por exemplo os antigénios dalguns grupos sanguíneos. Certos gangliosídeos são receptores celulares de toxinas (como a toxina colérica) ou moduladores da acessibilidade do receptor, como no caso da hormona tireotrófica (TSH).
Os glicolipídeos são também determinantes antigénicos dos diversos tipos de linfócitos.
6. Protídeos
As proteínas são cadeias de ácidos aminados unidos por ligações peptídicas. Os ácidos aminados são ácidos orgânicos nos quais o carbono próximo do grupo –COOH (denominado carbono α) está ligado a uma cadeia lateral (R), que é diferente em cada ácido aminado.
Os ácidos aminados diferem entre si somente por essa cadeia lateral; por exemplo, a alanina possui apenas um carbono como radical, enquanto a leucina apresenta quatro carbonos. As propriedades dos diferentes ácidos aminados dependem da composição dessa cadeia lateral; mais uma vez a título de exemplo, a lisina e a arginina são básicas, pois contêm um grupo amina extra; por outro lado, os ácidos glutâmico e aspártico têm propriedades ácidas que lhes são conferidas pelo grupo carboxilo extra.
A condensação dos ácidos aminados para formar uma molécula de proteína ocorre de maneira que o grupo amina dum ácido aminado se combina com o grupo carboxilo do outro, com a perda duma molécula de água, formando‐se a designada ligação peptídica. Muitos ácidos aminados reunidos formam uma cadeia polipeptídica.
As holoproteínas são proteínas constituídas apenas por ácidos aminados, enquanto as heteroproteínas são contituídas por outras substâncias além dos ácidos aminados  Essas substâncias podem ser:
• Ácidos nucleicos, designando‐se nesse caso nucleoproteínas;
• Glicídeos, designando‐se nesse caso glicoproteínas;
• Lipídeos, designando‐se nesse caso lipoproteínas;
• Grupos fosfato, designando‐se nesse caso fosfoproteínas;
• Grupos heme, designando‐se nesse caso hemoproteínas;
• Riboflavina, designando‐se nesse caso flavoproteínas; e
• Compostos metálicos, designando‐se nesse caso metaloproteínas.
a) Os quatro níveis da estrutura proteica
Podem ser distinguidos habitualmente quatro níveis de estrutura: a estrutura primária, a estrutura secundária, a estrutura terciária e a estrutura quaternária.
• A estrutura primária é a sequência de ácidos aminados que forma uma cadeia unida por ligações peptídicas. Essa sequência de ácidos aminados determina os níveis mais elevados de organização estrutural dessa molécula. A importância biológica da sequência de ácidos aminados é exemplificada pela anemia falciforme, uma doença hereditária humana, na qual são produzidas alterações biológicas profundas pela troca dum único ácido aminado na molécula de hemoglobina.
• A estrutura secundária é o arranjo espacial dos ácidos aminados próximos entre si na cadeia peptídica.
o Algumas regiões podem apresentar uma estrutura cilíndrica, a hélice‐α (chamada α porque foi a primeira estrutura deduzida por Pauling e Corey no início da década de 50 do século passado). Numa hélice‐α, a cadeia peptídica encontra‐se enrolada em torno dum cilindro imaginário, sendo estabilizada por pontes de hidrogénio que se estabelecem entre o grupo amina dum ácido aminado e o grupo carboxilo do ácido aminado situado quatro resíduos acima, na mesma cadeia peptídica.
o Na conformação em folha pregueada, os ácidos aminados adoptam a forma duma folha de papel pregueada, sendo a estrutura estabilizada também por pontes de hidrogénio, que desta vez se estabelecem entre grupos amina e carboxilo de ácidos aminados presentes em diferentes cadeias peptídicas.
o Outros segmentos proteicos não apresentam muitas ligações cruzadas e adoptam uma configuração ao acaso. Este facto é parcialmente devido a certos ácidos aminados, como a prolina, que tendem a romper a estrutura helicoidal.
• A estrutura terciária é o modo pelo qual as regiões helicoidais e as dispostas ao acaso se organizam e relacionam entre si. Refere‐se à relação tridimensional dos segmentos de ácidos aminados que podem encontrar‐se bastante distantes um do outro na sequência linear.
• A estrutura quaternária é o arranjo das subunidades proteicas em proteínas complexas constituídas por duas ou mais destas subunidades. A molécula de hemoglobina, por exemplo, é composta por quatro cadeias peptídicas, duas designadas α e duas β. A separação e a associação das subunidades podem ocorrer espontaneamente. A hemoglobina pode ser quebrada pela ureia em duas meias‐moléculas. Quando a ureia é removida, estas reúnem‐se novamente, formando moléculas funcionais complexas. Este tipo de ligação é altamente específico, ocorrendo somente entre as meias‐moléculas; é outro exemplo do princípio de auto‐montagem. As enzimas são estruturas que na sua maior parte são constituídas por subunidades múltiplas.
b) Factores envolvidos na determinação da estrutura proteica
O arranjo espacial duma molécula de proteína é predeterminado pela sua sequência de ácidos aminados, ou seja, pela sua estrutura primária. Este facto pode ser demonstrado através de experiências onde a desnaturação da proteína ou a ruptura da sua estrutura terciária são desencadeadas por temperaturas elevadas ou por outras condições não fisiológicas. A desnaturação duma proteína resulta habitualmente na perda da sua actividade biológica. A desnaturação duma proteína, a enzima ribonucléase, por exemplo, pode ser conseguida através do tratamento com substâncias desnaturantes adequadas, como o mercapto‐etanol e a ureia em concentrações elevadas. O mercapto‐etanol é um agente redutor que pode quebrar as ligações dissulfeto (entre dois átomos de enxofre), reduzindo‐as a grupos sulfidrilo (–SH), enquanto a ureia quebra outras ligações moleculares fracas. A estrutura terciária da ribonucléase é mantida por quatro ligações dissulfeto, estabeledicas entre pares de cisteína4. Após a desnaturação, a molécula pode ser reestruturada na sua conformação original pela remoção dos agentes desnaturantes, recuperando a sua função. Existem 105 combinaçõse possíveis para o emparelhamento entre as oito cisteínas presentes na ribonucléase para produzir as quatro ligaç~eos dissulfeto, mas a conformação biologicamente activa é sempre a adoptada, por é a estrutura termodinamicamente mais estável. Este facto é uma evidência clara de que toda a informação necessária para produzir a complexa moldagem duma molécula proteica está contida na sua estrutura primária.
A manutenção dos quatro níveis de estrutura proteica é mantida por diversos tipos diferentes de ligação, agrupadas em ligações covalentes e não‐covalentes. A diferença principal entre uma ligação covalente e uma não‐covalente é a quantidade de energia necessária para quebrar essa ligação. Uma ponte de hidrogénio, por exemplo, precisa de apenas 4,5 kcal∙mol‐1, enquanto a ligação covalente O‒H na molécula de água requer 110 kcal∙mol‐1. Apesar de, individualmente, cada ponte de hidrogénio ser fraca, um grande número delas pode produzir estruturas bastante estáveis, como é o caso do ADN de ( 4 A cisteína é um ácido aminado que contém um grupo –SH.) duplo filamento. As ligações covalentes são geralmente destruídas por acção enzimática, enquanto as não‐covalentes são facilmente quebradas por forças físico‐químicas. Muitas proteínas celulares existem como complexos de subunidades múltiplas unidas por ligações fracas.
• As ligações covalentes são de dois tipos principais: as ligações peptídicas e as ligações dissulfeto.
o As ligações peptídicas unem as subunidades de ácidos aminados na sequência primária.
o As ligaçõs dissulfeto estabelecem‐se, como foi descrito, entre os grupos –SH de dois resíduos de cisteína, sendo responsável por alguns aspectos da estrutura terciária.
• As interacções fracas são importantes para o estabelecimento das estruturas secundária e terciária. Estas ligaçõse fracas são de quatro tipos: ligaçõse iónicas, pontes de hidrogénio, interacções hidrofóbicas e forças de Van der Waals.
o As ligações iónicas ou electrostáticas resultam da força de atracção entre grupos ionizados de cargas opostas.
o As pontes de hidrogénio ocorrem quando um protão é partilhado entre dois átomos electromagnéticos vizinhos. O protão pode ser dividido entre átomos de azoto e oxigénio que estejam próximos um do outro. As pontes de hidrogénio possuem muitas funções bioquímicas importantes, sendo essenciais para o emparelhamento específico entre as bases dos ácidos nucleicos, fornecendo assim a força principal que une os dois filamentos de ADN, bem como permitindo a cópia específica do ADN em ARN.
o As interacções hidrofóbicas envolvem a associação de grupos apolares que se associam de maneira a minimizar o contacto com a água. Nas proteínas globulares, as cadeias laterais dos ácidos aminados mais hidrofóbicos tendem a agregar‐se no interior da molécula e os grupos hidrofílicos exteriorizam‐se na superfície da estrutura. Os resíduos hidrofóbicos tendem a repelir as moléculas de água que circundam a proteínas, tornando a estrutura globular mais compacta.
o As forças de Van der Waals ocorrem somente quando dois átomos se aproximam muito um do outro. A proximidade de duas moléculas pode induzir flutuações de carga que podem produzir atracção mútua num raio de acção bastante pequeno.
c) Enzimas e sua regulação
As enzimas são catalisadores5 biológicos, e constituem a maior e mais especializada classe de proteínas, assim como um dos mais importantes produtos de genes contidos no ADN. A complexa rede de reacções químicas envolvidas no metabolismo celular é dirigida por enzimas.
Foram identificadas mais de mil enzimas diferentes, muitas delas foram obtidas puras ou mesmo em estado cristalino. A sua estrutura contém um ou mais pontos, denominados sítios activos, aos quais se liga o substrato. O substrato é qualquer substância sobre a qual a enzima age; como resultado desta interacção, o substrato modifica‐se quimicamente, convertendo‐se num ou mais produtos. Esta reacção é geralmente reversível, podendo ser expressa como se segue:
Enzima + Substrato ↔ Complexo Enzima‐substrato ↔ Enzima + Produto(s)
As enzimas aceleram a reacção até ser alcançado o equilíbrio. A sua eficiência é tal que a reacção efectuada na presença duma enzima pode efectuar‐se 108 a 1011 vezes mais rapidamente do que quando não catalisada.
As enzimas possuem grande especificidade para os seus substratos e frequentemente não aceitarão moléculas com uma pequena diferença na sua configuração. Este dado pode explicar‐se se se entender a interacção da enzima com o seu substrato como a duma chave com a fechadura. Segundo (5 Um catalisador é uma substância que acelera as reacções químicas, mas não é modificada durante o processo, podendo assim ser utilizada repetidamente.) esta teoria, a enzima possui um sítio activo complementar da forma do substrato. Se o substrato tiver um formato diferente, então não ocorrerá ligação à enzima.
Porém, apesar de se poder imaginar a ligação da enzima ao substrato como a interacção da chave com a fechadura, isso não significa que o centro activo da enzima seja rígido. Bem pelo contrário, nalgumas enzimas, o seu centro activo só é exactamente complementar do substrato após a ligação deste, um fenómeno conhecido como adaptação induzida. Segundo este modelo, a ligação do substrato induz uma alteração na conformação da enzima, e só a partir desse momento os grupos químicos essenciais para a catálise se encontrarão em contacto íntimo com o substrato.
Algumas enzimas ligam‐se preferencialmente a uma das diversas conformações possíveis do substrato; assim sendo, a flexibilidade da enzima e do substrato podem contribuir para a catálise. A união do substrato com o centro activo envolve forças de natureza não covalente (ligações iónicas, pontes de hidrogénio e forças de van der Waals), que possuem um raio de acção bastante pequeno. Este facto explica por que o complexo enzima‐substrato apenas pode ser formado se a enzima possuir um centro activo complementar do formato do substrato.
As células não são simples bolsas cheias de enzimas.
• As enzimas participantes nalguns processos bioquímicos encontram‐se dissolvidas no citosol, devendo nesse caso os substratos difundir‐se livremente duma enzima para a seguinte da via metabólica.
• Em muitos casos, as enzimas envolvidas numa cadeia de reacções estão ligadas umas às outras e funcionam juntas como um complexo multi‐enzimático. Por exemplo, as sete enzimas que intervêm na síntese dos ácidos gordos encontram‐se firmemente unidas entre si. De maneira semelhante, o complexo da desidrogénase do piruvato é constituído por três enzimas. Os sistemas multi‐enzimáticos facilitam as reacções mais complexas, pois limitam a distância que as moléculas de substrato têm de percorrer durante a sequência de reacções; o substrato não é libertado do complexo até que todas as reacções tenham sido completadas.
• Os sistemas multi‐enzimáticos mais complexos encontram‐se localizados em membranas biológicas ou ribossomas. Por exemplo, as enzimas da cadeia respiratória encontram‐se dispostas de maneira precisa na membrana mitocondrial interna dos organismos eucariontes e na membrana celular dos procariontes. Estes sistemas multi‐enzimáticos necessitam, para o seu funcionamento, desta estrutura bem definida; quando removidas da membrana, as enzimas tornam‐se inactivas. Por este motivo, o estudo da bioquímica das membranas é particularmente difícil.
A distribuição das enzimas nunca é ao acaso. Algumas enzimas encontram‐se dentro de lisossomas ou em grânulos de secreção. Outras, como as polimérases do ADN e do ARN, localizam‐se especificamente no núcleo ou no citoplasma.
Se se elaborar um gráfico da velocidade duma reacção enzimática em função da concentração do substrato, em muitos dos casos obter‐se‐á uma curva hiperbólica. À medida que é adicionado mais substrato, forma‐se mais complexo enzima‐substrato e aumenta a velocidade de formação do produto. Para concentrações elevadas de substrato, essencialmente todas as moléculas enzimáticas estão na forma de complexo enzima‐substrato, sendo alcançada a velocidade máxima de reacção.
Contudo, nem todas as enzimas apresentam curvas hiperbólicas; algumas possuem curvas cinéticas de formato sigmóide. As enzimas que possuem uma curva concentração‐velocidade da reacção deste tipo denominam‐se enzimas alostéricas. Estruturalmente, estas enzimas são oligómeros contendo duas, quatro ou mais subunidades capazes de interagir entre si. O formato sigmóide da curva resulta do facto de a ligação da primeira molécula de substrato aumentar a afinidade da enzima para a segunda molécula, e assim sucessivamente até as quatro subunidades estarem ocupadas. Esta alteração da afinidade deve‐se à mudança de conformação da enzima.
Existe uma região na curva onde uma pequena variação da concentração do substrato faz variar significativamente a actividade enzimática. Por este facto, as enzimas alostéricas têm grande importância na regulação das vias metabólicas.  As enzimas reguladoras são sensíveis aos chamados modificadores alostéricos (ou moduladores), que podem actuar quer como inibidores, quer como activadores. Estes modificadores ligam‐se a um sítio diferente do sítio activo, resultando num aumento ou diminuição da afinidade da enzima para o substrato. Assim, na presença dum activador, a curva duma enzima alostérica tende a ser mais hiperbólica, e na presença dum inibidor, mais sigmóide.
i) Níveis de regulação enzimática
A célula raramente desperdiça energia sintetizando ou degradando substâncias desnecessariamente. Assim sendo, todas as reacções que ocorrem no interior da célula devem ser cuidadosamente controladas. A actividade enzimática é regulada por dois mecanismos principais: o controlo genético e o controlo de catálise.
• O controlo genético implica a mudança da quantidade total de moléculas enzimáticas. Os melhores exemplos conhecidos desta forma de regulação são a indução e a repressão enzimática em microrganismos nos quais a síntese de enzimas é regulada a nível genético pela acção indirecta de certas pequenas proteínas que se ligam ao ADN, e que certas moléculas como a lactose e o triptofano podem afectar, ligando‐se a esses repressores. Através deste mecanismo, a disponibilidade dum substrato induz a síntese das enzimas que o metabolizam; por outro lado, a acumulação do produto final da cadeia metabólica interrompe a produção das enzimas envolvidas na sua síntese. Em ambos os casos, as enzimas são sintetizadas somente quando são necessárias.
• O controlo de catálise envolve uma mudança na actividade da enzima sem uma alteração na quantidade total de enzima sintetizada. Este tipo de controlo ocorre frequentemente com enzimas reguladoras ou alostéricas, devido à acção de inibidores ou activadores alostéricos. Dois importantes mecanismos para este tipo de controlo são a retro‐inibição e a activação do precursor.
o No caso da retro‐inibição, o produto final duma via metabólica actua como inibidor alostérico da primeira enzima dessa cadeia. Assim, quando for sintetizada quantidade suficiente do produto, toda a cadeia pode ser interrompida, evitando dessa forma a acumulação desnecessária de metabolitos.
o Na activação do precursor, o primeiro metabolito duma via metabólica actua como activador alostérico da última enzima dessa via.
• Um outro tipo de regulação do metabolismo envolve as intervenções enzimáticas. Algumas enzimas podem existir em duas formas (activa e inactiva) que são convertíveis entre si. O mecanismo de intervenção consiste frequentemente na fosforilação, isto é, na ligação covalente dum grupo fosfato fornecido pelo ATP.
O controlo genético é geralmente considerado um tipo de regulação relativamente lento, enquanto o controlo de catálise é um método mais refinado e quase instantâneo de assegurar que a actividade enzimática seja adequada às necessidades celulares.
ii) Constante de Michaelis (Km)
A constante de Michaelis define a concentração de substrato para a qual a velocidade da reacção é metade da velocidade máxima.
A influência que os inibidores exercem sobre a constante de Michaelis permite definir dois tipos de inibição: inibição competitiva e inibição não competitiva.
• Na inibição competitiva, o inibidor apresenta a mesma afinidade para a enzima que o substrato, não alterando a velocidade máxima mas modificando o valor da constante de Michaelis, visto ser necessário mais substrato para atingir a mesma velocidade instantânea.
• Na inibição não competitiva, o inibidor tem mais afinidade para a enzima do que o substrato. Neste caso, a velocidade máxima vai ser alterada, mantendo‐se o valor da constante de Michaelis, uma vez que existe menos enzima a funcionar (algumas moléculas enzimáticas foram inactivadas pelo inibidor, pelo que não tem interesse fornecer mais substrato). iii) Tipos de enzimas
As enzimas classificam‐se segundo as reacções que catalisam:
• Hidroxílases.
• Transférases.
• Isomérases.
• Lígases.
• Líases.
• Oxi‐redútases.
V. Núcleo
O estudo do núcleo da célula sofreu um grande avanço com Bernard, que introduziu uma nova técnica para o estudo desta estrutura celular de importância fundamental. Essa técnica foi a coloração regressiva pelo EDTA, com a qual o ADN fica descorado, aparecendo branco, o que permite evidenciar os locais livres de ADN, isto é, o espaço intercromatínico (com excepção dos cariossomas), onde foram identificadas estruturas importantes para o funcionamento do núcleo, como alguns grânulos e fibrilas que serão descritos oportunamente.
Quando observado em microscopia de luz, o núcleo surge como uma estrutura circular corada de azul, possuindo umas zonas mais escuras do que outras. A utilização de técnicas citoquímicas, como a reacção de Feulgen permite evidenciar o ADN, que surge corado de vermelho, encontrando‐se as outras partes do núcleo mais claras. No núcleo podem distinguir‐se as seguintes estruturas: a heterocromatina, correspondente às zonas mais escuras, o espaço intercromatínico, situado entre a cromatina perinucleolar e a cromatina perinuclear, contendo a eucromatina e as ribonucleoproteínas extranucleolares, entre as quais as estruturas pericromatínicas encostadas à heterocromatina, o nucléolo e a membrana nuclear, uma membrana dupla que envolve o núcleo.
Estas estruturas são visíveis num núcleo em interfase. Durante a mitose, o núcleo sofre alterações, aparecendo os cromossomas mais evidentes, devido à condensação de toda a cromatina, desaparecendo ainda o nucléolo e a membrana nuclear.
Ao microscópio electrónico observa‐se uma mancha de heterocromatina que circunda interiormente a membrana nuclear e o exterior do nucléolo. Entre as duas existem grãos de heterocromatina, denominados cariossomas, eucromatina, grânulos e fibrilas. O nucléolo não é envolvido por nenhuma membrana.
A quantidade de eucromatina e de heterocromatina varia consoante a célula e consoante o estado de actividade desta.
Em certos casos aparece ligada à membrana a chamada cromatina sexual de Baar, mas só nas células do sexo feminino.
1. Membrana nuclear
A membrana nuclear é composta por dois folhetos concêntricos, separados por cisternas perinucleares de 10 a 15 nm de largura. Análises bioquímicas revelaram que estes folhetos possuem uma estrutura unitária semelhante à da membrana plasmática, consistindo de cisternas achatadas do retículo endoplasmático com ribossomas somente na suprefície externa. Na telófase, a membrana nuclear é reconstruída a partir de cisternas do retículo endoplasmático rugoso.
Existem interrupções da continuidade da membrana nuclear, que se denominam poros nucleares. Os folhetos da membrana encontram‐se em contacto através das margens dos poros. Na sua porção nuclear, os poros apresentam‐se geralmente alinhados com canais do nucleoplasma, situados entre massas condensadas de cromatina ligada à membrana interna.
Situada entre a membrana interna e a heterocromatina perinuclear existe uma estrutura designada lâmina nuclear, de composição proteica, com três polipeptídeos principais, A, B e C. Numa das faces encontra‐se ligada a proteínas integrais da membrana interna e na outra a certas regiões da  heterocromatina perinuclear. Esta estrutura será provavelmente a iniciadora da reorganização pós‐mitótica do núcleo. Tem também importância pela presença de enzimas especiais de transcrição que actuam à periferia.
Os poros nucleares são bastante grandes, tendo geralmente um diâmetro externo de 100 nm. A sua separação da lâmina nuclear é difícil. Contêm um peptídeo grande que parece ser um componente universal dos poros, não sendo estes, por isso, meros canais abertos. A microscopia electrónica revelou que os poros são ocluídos por uma substância electrodensa e circundados por estruturas circulares denominadas anéis. Os anéis têm um formato octagonal e um diâmetro de aproximadamente 60 nm. Cada anel é composto por oito grânulos presentes nas superfícies nuclear e citoplasmática e por uma substância peptídica na abertura do poro, chamada substância anular. O conjunto dos poros e anéis é denominado complexo do poro.
2. Heterocromatina
Entre os anos de 1973 e 1974, um casal de investigadores descobriu que a cromatina estava organizada numa estrutura com nucleossomas. Esta seria a estrutura mais simples da cromatina. Em seis anos, o estudo da cromatina sofrera grandes avanços com a introdução de técnicas biofísicas e bioquímicas. Primeiro começou‐se por provocar a lise dos núcleos, estudando‐se em seguida a cromatina que primeiro aparecia como fibras de 300 Å de espessura. Após a destruição destas fibras observava‐se o aparecimento de restos fibrilares com cerca de 10 nm de espessura. Tinha‐se encontrado a estrutura elementar da cromatina, semelhante a um colar de ADN com pedras enfiadas, que eram os nucleossomas.
Quimicamente, a cromatina é formada por ADN e proteínas denominadas histonas. Existem cinco tipos de histonas: H1, H2A, H2B, H3 e H4.
Cada nucleossoma é constituído por dois discos sobrepostos, formados por oito moléculas de histonas: 2 H2A + 2 H2B + 2 H3 + 2 H4. À volta destas histonas encontra‐se a molécula de ADN enrolada numa extensão de cerca de 200 nucleotídeos. Ao conjunto do octâmero de histonas com ADN à volta é que se chama nucleossoma. A ligar os vários nucleossomas encontra‐se ADN, ao qual está associada a histona H1.
A cromatina no núcleo não se encontra sob a forma desta fibra de 10 nm. Pelo contrário, a referida fibra adopta uma configuração em espiral, tendo, para tal, importância a histona H1 ligada ao ADN entre os nucleossomas. Formam‐se assim as fibras de 30 nm, sendo que existem 6 nucleossomas por cada volta da espiral. A fibra vai‐se tornando cada vez mais espiral e mais condensada, surgindo fibras de 300 nm, depois fibras de 700 nm e, finalmente, no cromossoma metafásico (estádio máximo de condensação) a espessura da cromatina atinge os 1 400 nm.
Esta organização da cromatina é importante, pois economiza espaço na célula; se a cromatina duma célula se encontrasse toda estendida como fibra de 10 nm, ocuparia um espaço muito superior ao existente no núcleo.
O modo como as histonas se ligam ao ADN é importante para o processo de transcrição do ARN.
3. Espaço intercromático
O espaço intercromático é formado por eucromatina e outras estruturas: grânulos pericromáticos, fibrilas pericromáticas, grânulos intercromáticos, fibrilas intercromáticas e corpos nucleares.
• Os grânulos pericromáticos encontram‐se na periferia da heterocromatina, possuindo um diâmetro de 40 nm e um halo claro de 25 nm. Contêm ARNh6 que não foi transportado para outras regiões. Estes grânulos terão origem através do enrolamento das fibrilas pericromáticas, visto serem marcados pela 3H‐uridina, que se incorpora no ARN. (6 O ARNh (ARN heterogéneo) é uma molécula de ARN grande, a partir da qual se vão produzir outras moléculas de ARN mais pequenas.)• As fibrilas pericromáticas possuem uma localização idêntica à dos grânulos pericromáticas, ou seja, na periferia da heterocromatina. Só podem ser evidenciadas com o recurso à coloração regressiva pelo EDTA. Esta área pericromática surge marcada aos 10 minutos, in vitro, com 3H‐uridina, simultaneamente com o aparecimento do ARNh. As fibrilas parecem conter ARNh e ARNm. A marcação com 3H‐uridina junto da membrana nuclear parece dever‐se à ARNpolimérase III.
• As fibrilas intercromáticas surgem marcadas pela 3H‐uridina após a marcação das fibrilas pericromáticas, pelo que se pensa resultarem da migração destas. Parecem contar ARNh oriundo das fibrilas pericromáticas.
• Os grânulos intercromáticos são grupos de partículas de 20‐25 nm que se encontram dispersos no nucleoplasma. Coram pelo método EDTA e contêm fosfoproteínas. Terão possivelmente origem no componente granular do nucléolo, podendo, em certas condições experimentais, conter ARNr.
• Os corpos nucleares podem ser de quatro tipos: simples, complexos, espiralados e em forma de bastonete.
o Os corpos nucleares simples têm as suas dimensões compreendidas entre 0,3 e 0,5 μm. Não possuem cápsula, mas possuem um halo, sendo prováveis receptores hormonais. São formados por proteínas, estando aumentados nas infecções víricas.
o Os corpos nucleares complexos têm dimensões de 0,8 a 1,8 μm. Possuem uma cápsula microfibrilar, no interior da qual existem grânulos. São de origem nucleolar, sendo transportadores de ARN. São receptores de estrogénios, estando presentes durante as infecções víricas.
o Os corpos em forma de bastonete são de natureza proteica, havendo‐os também filamentosos e tubulares. São frequentes nos neurónios, estando possivelmente ligados à estimulação eléctrica, visto serem mais abundantes depois daquela.
o Os corpos nucleares espiralados têm estrutura de agregados de bastonetes curvos, sem cápsula e possuem fibrilas de 5 nm. Pensa‐se que estão ligados ao metabolismo do ARN, mas não intervêm na transcrição.
4. Nucléolo
Ao microscópio óptico, os nucléolos aparecem como corpúsculos altamente refringentes, devido à elevada concentração de substâncias sólidas (ARN e proteínas). Esta grande quantidade de ARN pode ser destacada através da coloração com corantes básicos, com ou sem digestão pela ribonucléase, ou pelo método de EDTA.
O nucléolo compreende várias regiões de características diferentes.
• O componente fibrilar denso é formado por fibrilas de 5 a 8 nm e é onde tem lugar a síntese de ARNh 45S pela ARNpolimérase I.
• Os centros fibrilares são zonas filmentosas de moderada densidade electrónica (mais claros do que o componente fibrilar denso que os rodeia). Contêm os genes que codificam os ARNr (genes ribossómicos).
Estas duas regiões fazem parte duma estrutura mais complexa, que é a região organizadora do nucléolo (RON), que é a região dos cromossomas 13, 14, 15, 21 e 22, que apresentam uma constrição secundária, ao nível da qual o nucléolo se vai reconstituir durante a telófase.
• O componente granular é formado por grânulos de 15 a 20 nm, contendo fibrilas de 2 nm. É o local onde se dá o processamento do ARNr, sendo montados os ribossomas nestes componentes granulares.
• O componente vacuolar possui possivelmente eucromatina. É digerido pela enzima pepsina e tem uma constituição idêntica à do espaço intercromático.

5. Matriz nuclear
Quando se extraem a cromatina e os fosfolipídeos dos núcleos isolados, fica exposto um complexo de conformação reticular, constituído na sua maior parte pela matrizina (proteína fibrilar) e por outros componentes, tais como pequenas quantidades de ARN, ADN, glicídeos e fosfolipídeos.
Após quase total extracção das proteínas nucleares, do ADN, do ARN e dos fosfolipídeos, obtém‐se a matriz proteica nuclear, que contém estruturas nucleolares residuais e três fracções polipeptídicas (Pa, P2 e P3), que são semelhantes às da lâmina nuclear. A vimentina encontra‐se associada à matriz, provavelmente disposta como uma coroa externa de filamentos.
6. Cromossomas
Os cromossomas são bem visíveis durante a divisão celular. Contudo, eles já existiam durante a interfase, sendo visíveis nesta altura nalgumas espécies. No entanto, na maioria das espécies, os cromossomas só são visíveis durante a mitose e a meiose, devido à conformação em espiral da cromatina atingir o seu máximo durante a metáfase. Quando se fala de cromossomas, refere‐se aos cromossomas metafásicos. Quando os cromossomas são separados e isolados para observação ao microscópio electrónico, visualiza‐se uma zona mais estreita e uma estrutura de ansas. A zona mais estreita designa‐se centrómero, e é a ele que se encontram ligados os braços do cromossoma.
No momento da divisão celular, a cromatina condensa‐se na forma de cromossomas, de modo a ocupar o menor espaço possível. Esta condensação da cromatina é realizada por intermédio de proteínas especiais, formando‐se uma espécie de ansas. Na sequência da formação dum cromossoma metafásico começa‐se por ter uma fibra de 11 nm que por intermédio da histona H1 se espirala, formando a fibra de 30 nm. Nesta última formam‐se ansas, que dão origem a uma fibra de 300 nm, que por sua vez se condensa para formar uma fibra de 700 nm, que vai formar zonas do cromossoma. A espessura do cromossoma atinge os 1 400 nm. Devido ao facto de os cromossomas poderem ser claramente observados em microscopia óptica, eles foram objecto de muitos estudos logo após a sua descoberta em 1876, e em 1910 tornou‐se claro que o fenómeno genético poderia ser explicado em termos do comportamento dos cromossomas.
Os cromossomas podem ser estudados em cortes de tecidos, mas são melhor observados em preparações por esmagamento. Os fragmentos de tecidos são corados com corantes básicos (como a orceína ou Giemsa) e então esmagados entre uma lâmina e uma lamela com uma pressão suave. Algumas vezes é empregue uma solução hipotónica antes do esmagamento, para tornar o núcleo túrgido e produzir uma melhor separação dos cromossomas individuais. Bioquimicamente, os cromossomas não são mais do que ADN associado a proteínas.
As ansas formadas em resultado da condensação da cromatina localizam‐se dos lados, dando um aspecto de estrutura densa no meio e de ansas nos lados. As ansas, por sua vez, agrupam‐se em conjuntos, de modo que, no final, obtém‐se a estrutura do cromossoma metafásico. O centrómero é a constrição principal dum cromossoma; no entanto, podem surgir vários tipos de constrições secundárias, onde se localizam os genes ribossómicos.
Na metáfase, cada cromossoma é constituído por dois cromatídeos ligados pelo centrómero. As extremidades dos cromatídeos designam‐se telómeros. Cada cromatídeo possui uma molécula de ADN idêntica à do outro cromatídeo. Em consequência desse facto, o cromososma metafásico é formado por duas moléculas de ADN iguais.
Os cromossomas são classificados em quatro tipos, de acordo com o seu formato, que é determinado pela posição do centrómero. Os cromossomas telocêntricos possuem o centrómero localizado numa extremidade, os cromossomas acrocêntricos têm um braço curto bastante pequeno, os cromossomas submetacêntricos possuem braços de comprimento diferente, e os metacêntricos apresentam braços idênticos ou quase iguais.
O cariótipo dum indivíduo é formado pelo conjunto dos cromossomas do núcleo, durante a metáfase, ordenados segundo determinadas regras. Tem importância para a pesquisa de anomalias genéticas no indivíduo.
Para se obter os cromossomas em metáfase, interrompe‐se a mitose nesta fase, utilizando a colquicina, que destrói o fuso acromático e impede assim o prosseguimento da mitose. Depois de isolados, os cromossomas são fotografados e ordenados segundo o seu tamanho e tipo. Esta ordenação veio permitir a descoberta de doenças hereditárias.
Com a utilização de vérios corantes, cerificou‐se que os cromossomas apresentam zonas de tonalidades diferentes. Convencionou‐se chamar ao braço mais pequeno P e ao maior Q. As bandas foram depois ordenadas em zonas contadas a partir do centrómero. As bandas traduzem as diferenças na quantidade de cromatina. Com base nos padrões de bandas, é possível identificar três tipos principais de cromatina: a heterocromatina centromérica, a heterocromatina intercalar e a eucromatina.
A coloração de bandas do cromossoma evidencia novas características morfológicas, através das quais se pode identificar um cromossoma em particular. Além dos braços, do centrómero e dos telómeros, a coloração de bandas torna possível a distribuição de limites especiais que subdividem os braços em regiões. Utilizando a nomenclatura estabelecida na conferência de Paris de 1971, consegue‐se agora identificar a posição de qualquer banda num dado cromossoma. São empregues os seguintes parâmetros: número do cromossoma; símbolo do braço, onde p designa o braço curto e q o braço longo; o número da região e a banda.
Com o uso das técnicas de coloração de bandas, podem identificar‐se na metáfase aproximadamente 320 bandas por conjunto de cromossomas haplóides. Este número pode atingir 1 256 se os cromossomas forem analisados no final da prófase.
Estes conhecimentos podem ser relacionados com a clínica, vendo se determinada banda é normal ou não, e relacionando eventuais achados com alguma patologia possível.
Os cromossomas metafásicos são duplos, isto é, possuem dois cromatídeos, devido à duplicação do ADN que ocorreu na célula na fase G da interfase, passando a partir daí a possuir duas moléculas de ADN 5 000 a 10 000 vezes mais longas do que o cromatídeo. Observam‐se sete grupos de autossomas que são classificados pelo tamanho e pela posição do centrómero.
O centrómero possui na sua face externa uma substância de natureza proteica, onde se inserem os microtúbulos durante a ascensão polar. Esta parte proteica chama‐se cinetocoro.
O cromossoma X é semelhante aos autossomas do grupo G, enquanto o cromossoma Y se assemelha ao cromossoma 21, mas desprovido de satélites. O cromossoma Y apresenta uma porção heterocromática que fluoresce na interfase, após coloração pela mostarda de quinacrina. Neste cromossoma está localizado o gene determinante do antigénio que causa a diferenciação do testículo.
VI. Mecanismos genéticos básicos
1. Replicação e reparação do ADN
Dentro do núcleo existe ADN. As moléculas de ADN são formadas por uma cadeia dupla em hélice. Isto leva a que cada um dos nucleotídeos da cadeia seja como que copiado, formando‐se ARNh, que amadurece e se transforma nos ARN maduros, que se deslocam para o citoplasma e intervêm nos mecanismos de síntese proteica.
Para que as células se dividam e as células filhas possuam o mesmo material genético da célula mãe, é necessário que primeiro ocorra uma duplicação do ADN, bem como das proteínas associadas.
Taylor demosntrou que a replicação do ADN é do tipo semi‐conservativo. Cultivou plantas jovens de Vicia faba em meios contendo 3H‐timidina, durante um breve período, e colquicina. Ao aparecerem as primeiras mitoses, cada par de cromatídeos metafásicos apresentava‐se marcado com grãos de prata. Na segunda mitose das mesmas células, já na ausência do isótopo radioactivo, apenas um cromatídeo de cada par de cromossomas metafásicos estava corado. Isto explica‐se se se considerar que, contendo cada cromossoma antes do período S uma molécula de ADN com dupla cadeia nucleotídica, durante a primeira replicação cada futuro cromatídeo metafásico recebeu uma cadeia velha não radioactiva do cromossoma pai e uma nova sintetizada durante o período S, com incorporação da 3H‐timidina. Durante a segunda replicação, porém, um dos cromatídeos resultantes recebeu uma cadeia velha radioactiva e uma nova radioactiva, e outra uma cadeia velha não radioactiva e outra nova radioactiva. A marca radioactiva mantém‐se nos núcleos resultantes das sucessivas mitoses, mas a sua intensidade (número de grãos de prata) diminui em 50% de geração em geração, porque na telófase cada núcleo filho recebe apenas metade dos cromtaídeos radioactivos da placa equatorial.
2. Transcrição
3. Tradução
4. Localização e translocação das proteínas
5. Controlo da expressão genética
VII. Ciclo celular
1. Mitose
2. Meiose
VIII. Membranas biológicas
O meio interno difere duma célula difere do seu meio externo. Esta diferença é mantida durante a vida da célula pela fina membrana celular que a delimita e controla os fluxos de moléculas e de iões. A membrana celular possui permeabilidade selectiva, isto é, é capaz de agir como barreira selectiva entre a célula e o meio.
A membrana celular é tão fina que não pode ser visualizada com o recurso à microscopia óptica; porém, nalgumas células encontra‐se recoberta por camadas protectoras mais espessas que estão dentro dos limites da resolução microscópica. A maior parte das células vegetais, por exemplo, possui uma espessa parede celular que recobre e protege a membrana plasmática. Algumas células animais são envolvidas por uma camada flexível denominada glicocálice, que possui importantes funções mas que geralmente não está envolvida na permeabilidade.
O estudo da superfície celular é actualmente uma das áreas de maior actividade da biologia celular e molecular, pois abrange não só a troca de substâncias entre a célula e o meio, mas também muitas outras funções relacionadas com a comunicação e a interacção entre as células que compõem um tecido, pois existe um mecanismo de reconhecimento celular na superfície de cada célula, que as torna capazes de reconhecer células semelhantes. Este mecanismo é gravemente afectado quando as células normais se transformam em neoplásicas. Uma das características que definem uma neoplasia é a falta de comportamento social das células, resultando num processo de crescimento e divisão incontrolado, devido à alteração dos mecanismos moleculares de reconhecimento que agem na membrana celular. Espera‐se que o estudo desta alteração contribua para o entendimento das diferenças entre as células normais e as neoplásicas.
Na célula eucariótica existem ainda um grande conjunto de membranas no citoplasma que é designado globalmente por sistema endomembranar da célula. Estas membranas são importantes, pois criam compartimentos no interior da célula que possibilitam a realização de funções que doutro modo seriam difíceis ou impossíveis de realizar. 1. Composição e organização
a) Modelos moleculares da membrana plasmática – um século de evolução
As teorias recentes sobre a organização molecular da membrana celular baseiam‐se em informações indirectas. Overton observou em 1902 que as substâncias lipossolúveis penetravam mais facilmente na célula do que as hidrossolúveis e, baseando‐se nestes dados, postulou que a membrana celular era composta por uma fina camada lipídica. Em 1926, Gorter e Grendel mediram o conteúdo lipídico de eritrócitos hemolisados e verificaram que esse conteúdo era aproximadamente o dobro do necessário para manter uma membrana simples, concluindo que existem lipídeos suficientes para compor uma camada dupla de moléculas lipídicas ao redor de toda a superfície da célula. Baseados nesta e noutras propriedade da membrana celular, como sejam a elevada impedância eléctrica e a baixa tensão superficial, Danielli e Davson propuseram em 1935 um modelo molecular no qual a membrana era uma espécie de sanduíche com a dupla camada lipídica no interior e proteínas ligadas a ambas as superfícies. A microscopia electrónica revelou pela primeira vez que todas as células são envolvidas por uma membrana celular de 6 a 10 nm de espessura, formada por uma estrutura trilaminar com duas camadas densas externas de 2 nm cada e uma intermédia de aproximadamente 3,5 nm. Baseando‐se nestes achados, Robertson propôs em 1959 o modelo da unidade de membrana. Nele, a imagem do microscópio electrónico foi interpretada de acordo com o modelo de Danielli e Davson, com a lâmina clara central a corresponder às cadeias de hidrocarbonetos dos lipídeos e as lâminas densas circundantes às proteínas dos dois lados. Concluiu‐se que muitos tipos de membranas celulares eram constituídos de acordo com este padrão.
Sabe‐se actualmente que o modelo da unidade de membrana é bastante simplificado. Ele não inclui, por exemplo, as numerosas moléculas proteicas que encaixam na membrana. Nos últimos anos este modelo foi reavaliado à luz de novas observações.
• Cortes extremamente finos revelaram a presença de delicadas pontes que cruzam a dupla camada.
• A crio‐fractura da membrana eritrocitária mostra que numerosas partículas se encontram intercaladas no plano de clivagem da membrana.
• Métodos de fixação que evitam a remoção das proteínas tendem a dar uma aparência granular às secções transversais da membrana.
Estes achados sugerem que o modelo da unidade de membrana é um pouco o resultado apenas da aparência da estrutura trilaminar visualizada após preparação para microscopia electrónica.
O conhecimento actual sobre a organização molecular de membranas biológicas baseia‐se principalmente nas análises químicas e na aplicação de diversas técnicas biofísicas. Os importantes conceitos que surgiram então são perfeitamente integrados no modelo do mosaico fluido da estrutura da membrana. Este modelo sugere que os lipídeos e as proteínas integrais estão dispostas num arranjo do tipo mosaico e que as membrans biológicas são estruturas quase fluidas, onde tanto os lipídeos como as proteínas integrais são capazes de executar movimentos de translação em toda a camada dupla.
Para compreender a organização da membrana é necessário recordar que os lipídeos, bem como muitas das proteínas integrais e glicoproteínas que a compõem são estruturas anfipáticas7. No modelo do mosaico fluido, as proteínas integrais da membrana intercalam‐se em maior ou menor extensão numa camada lipídica dupla contínua. Este arranjo baseia‐se no carácter anfipático destas proteínas, cujas regiões polares afloram na superfície da membrana, enquanto as apolares se introduzem no interior hidrófobo da membrana. Esta disposição molecular pode explicar por que certas enzimas e glicoproteínas antigénicas possuem os seus sítios activos expostos na superfície externa da célula. É bem reconhecido que uma proteína de tamanho apropriado ou um grupo de subunidades proteicas (7 O conceito de molécula anfipática foi introduzido por Harley em 1936 e refere‐se à presença de grupos hidrofílicos e hidrofóbicos na mesma molécula.) atravessam a espessura total da membrana. É possível que tais proteínas transmembranares estejam em contacto com o solvente aquoso dos dois lados da camada lipídica.
Uma evidência de maior suporte para o modelo do mosaico fluido provém de amostras de membranas de eritrócitos e doutras células submetidas a crio‐fractura. As preparações de eritrócitos assim obtidas apresentam um grande número de partículas com aproximadamente 8 nm de diâmetro, que são interpretadas como sendo proteínas encaixadas no plano de clivagem que atravessa o interior da dupla camada lipídica. Num único eritrócito existem cerca de 500 000 destas partículas, estando a maioria delas ligada à metade protoplasmática. Acredita‐se actualmente que estas partículas correspondem a dímeros ou tetrâmeros e representam canais para a passagem de iões.
b) Componentes da membrana
As proteínas representam o principal componente da maior parte das membranas biológicas. Possuem um papel importante não só na estrutura mecânica da membrana, mas também como transportadores ou canais de transporte; além disso, podem estar relacionadas com propriedades reguladoras ou de reconhecimento. Estão também presentes na membrana plasmática numerosas enzimas, antigénios e diversos tipos de moléculas receptoras. Nas células vegetais, a parte glicídica de certas glicoproteínas liga‐se a certas proteínas vegetais chamadas lectinas; isto não se verifica em células neoplásicas ou em células unidas umas às outras (inibição de contacto).
As proteínas da membrana foram classificadas em integrais ou intrínsecas e periféricas ou extrínsecas, segundo o seu grau de associação com a membrana e os métodos pelos quais podem ser solubilizadas.
• As proteínas periféricas podem ser separadas por um procedimento suave, são solúveis em solução aquosa e habitualmente não possuem lipídeos na sua estrutura. São exemplos de proteínas periféricas, na face protoplasmática, a espectrina dos eritrócitos e a ATPase mitocondrial. Normalmente, estas proteínas encontram‐se ligadas a um dos pólos duma proteína integral.
• As proteínas integrais representam mais de 70% das proteínas membranares, necessitando de procedimentos agressivos para serem isoladas. São geralmente insolúveis em solução aquosa, sendo necessária a presença de detergentes para as manter desagregadas. O estudo das proteínas integrais de diferentes membranas mostrou que o seu peso molecular varia consideravelmente. Estas proteínas podem encontrar‐se ligadas a oligossacarídeos, formando glicoproteínas. São exemplos de proteínas integrais a oxídase do citocromo mitocondrial, a rodopsina dos fotorreceptores e a ATPase Na+ K+. Estas moléculas não podem rodar para dentro ou para fora pela dificuldade em fazer passar as extremidades hidrófilas da zona hidrófoba.
É importante enfatizar que cada proteína da membrana celular está distribuída assimetricamente, respeitando a dupla camada lipídica. Esta assimetria também se aplica às numerosas membranas celulares isoladas. A porção oligossacarídica das glicoproteínas e glicolipídeos é assimétrica; estes resíduos estão sempre expostos somente na superfície externa da membrana.
A dupla camada lipídica da membrana é somente interrompida por proteínas que a atravessam. Esta camada dupla é constituída principalmente por fosfolipídeos neutros e colesterol, com 5 a 20% de fosfolipídeos ácidos. No seu interior, os próprios lipídeos também se distribuem assimetricamente, não sendo os fosfolipídeos iguais nas duas camadas.
• A camada externa contém principalmente fosfatidilcolina e esfingomielina.
• A camada interna contém principalmente fosfatidiletanolamina e fosfatidilserina.
Estes compostos são sintetizados no retículo endoplasmático, que exporta fragementos membranares através do complexo de Golgi para a superfície. A porção oligossacarídica das glicoproteínas e dos glicolipídeos é assimétrica e estes resíduos encontram‐se expostos somente na superfície externa da membrana.
c) Importância biológica da fluidez da membrana
O conceito de fluidez da membrana diz respeito à considerável liberdade de movimentos laterais que os lipídeos e as proteínas possuem no interior da dupla camada. Por sua vez, o movimento vectorial através da membrana é mais difícil, ou seja, um lipídeo ou uma proteína da camada externa da dupla camada não pode passar para a metade interna, e vice‐versa.
A fluidez da membrana é essencialmente uma propriedade dos lipídeos. Estes compostos são habitualmente fluidos à temperatura ambiente, variando a sua fluidez principalmente em função do grau de saturação das cadeias de hidrocarbonetos. Os ácidos gordos insaturados, isto é, aqueles que contêm ligações duplas ou triplas, possuem um ponto de fusão mais baixo do que os saturados, e na maior parte das membranas biológicas existem lipídeos insaturados suficientes para que o ponto de fusão da dupla camada lipídica permaneça abaixo da temperatura fisiológica.
Podem utilizar‐se diversas técnicas físicas no estudo da fluidez da membrana.
• Um dos métodos mais simples envolve a ligação de partículas de ouro e carbono à superfície celular e a observação do movimento destas partículas à microscopia óptica.
• Obteve‐se mais informação utilizando diferentes ligandos, como anticorpos e lecitinas vegetais, que interagem com receptores da superfície celular. Se estes ligandos forem marcados com corantes fluorescentes, o seu movimento pode ser seguido com o auxílio dum microscópio de fluorescência.
Os linfócitos tratados com anticorpos fluorescentes contra certos antigénios de membrana apresentam um comportamento conhecido como capping. Os antigénios deslocam‐se visivelmente na membrana, formando placas que se agregam num dos pólos da célula, produzindo um tipo de placa altamente fluorescente. Neste ponto da membrana, ela pode invaginar, formando vesículas (através dum processo denominado pinocitose) no interior do citoplasma. Este processo de capping pode ser inibido com a diminuição da temperatura, pois esta alteração leva à solidificação da dupla camada lipídica.
Uma experiência clássica envolvendo estes fenómenos é a experiência de Frey e Edidin. Estes dois investigadores uniram dois tipos diferentes de células, cultivadas com dois tipos diferentes de antigénios de superfície. A fusão celular foi promovida com o uso do vírus Sendai8, que facilita a fusão das membranas plasmáticas celulares, levando assim à formação dum heterocarionte com dois núcleos. As duas células tinham sido previamente marcadas com anticorpos fluorescentes de cores diferentes, tornando possível o reconhecimento posterior das partes da membrana plasmática correspondentes a cada célula original. Frey e Edidin verificaram a ocorrência duma mistura das duas cores, o que significa que os antigénios de cada célula se misturaram, sendo, passados 40 minutos, impossível distinguir as duas cores. Esta experiência demonstrou também que as temperaturas abaixo de 20°C interrompem este processo de mistura dos antigénios, por solidificação da dupla camada lipídica.
2. Biofísica das membranas
3. Transporte através de membranas
A permeabilidade da membrana celular é fundamental para o funcionamento da célula e para a manutenção de condições fisiológicas satisfatórias. Esta propriedade determina quais as substâncias passíveis de entrar na célula, sendo que muitas delas podem ser necessárias para manter os seus processos vitais e a síntese de substâncias, e regula a excreção de produtos do metabolismo e água.
A presença da membrana celular estabelece uma diferença líquida entre o fluido intracelular e o extracelular, no qual a célula está mergulhada. Este último pode ser água pura salina, no caso de organismos unicelulares que crescem em lagoas ou no mar; porém, em organismos multicelulares, o (8 O vírus Sendai é um vírus parainfluenza inactivado, denominado a partir da cidade de Sendai, no Japão.)fluido interno (sangue, linfa ou fluido intersticial) está em contacto com a superfície externa da membrana celular.
a) Permeabilidade passiva
i) Gradiente de concentração
A permeabilidade pode ser passiva, se obedece a leis físicas, como no caso da difusão, ou activa, se envolve gasto de energia. Sabe‐se que, se uma solução concentrada duma substância hidrossolúvel for colocada em água, haverá movimento do soluto segundo o gradiente de concentração. Se se interpuser uma membrana lipoproteica, semelhante à membrana plasmática, o processo de difusão é bastante modificado e a membrana age como barreira à passagem de moléculas hidrossolúveis.
No final do século XIX, Overton demonstrou que substâncias lipossolúveis penetram mais facilmente na célula. Collander e Barlung, nas suas experiências com células dum vegetal do género Chara, demonstraram que a velocidade de entrada de moléculas era dependente da sua solubilidade em lipídeos e do seu tamanho. Quanto mais solúveis e mais pequenas forem, mais rapidamente penetram na célula.
ii) Gradiente eléctrico
Todas as células possuem uma concentração iónica diferente da do seu meio extracelular, desencadeando um potencial eléctrico através da membrana. Estas propriedades estão intimamente relacionadas, pois o potencial eléctrico depende da distribuição desigual de iões em ambos os lados da membrana. Laboratorialmente é possível utilizar micro‐eléctrodos intracelulares para detectar este potencial, que tem o nome de potencial de repouso, e que é sempre negativo no interior. Os valores do potencial de membrana variam nos diferentes tecidos entre ‐20 e ‐100 mV.
A difusão passiva de iões através da membrana é um processo bastante complexo, pois depende não só do gradiente de concentração, mas também, e uma vez que os iões são partículas carregadas electricamente, do gradiente eléctrico. O fluido intersticial celular possui uma elevada concentração de sódio e cloreto, enquanto o meio intracelular é mais rico em potássio e aniões orgânicos. Num meio com KCl, entrará K+ na célula tanto pelo gradiente químico como pelo eléctrico, enquanto o Cl‐ será impelido para o interior da célula pelo gradiente de concentração, mas será repelido pelo eléctrico. Em equilíbrio, as concentrações de potássio e de cloreto no meio interno e no meio externo são recíprocas. Qualquer aumento do potencial de membrana levará a um aumento da assimetria iónica através dela, e vice‐versa.
b) Transporte activo
As primeiras medidas dos potenciais de membrana e das concentrações iónicas pareciam confirmar os valores esperados a partir das equações do equilíbrio entre os gradientes químico e eléctrico. Contudo, as determinações subsequentes, que foram aumentando em grau de precisão, não o demonstraram. Esta discrepância pode ser explicada pela existência dum outro mecanismo de transporte membranar: o transporte activo.
Assim, além do movimento passivo de moléculas neutras e de iões através da membrana, a permeabilidade celular depende duma série de mecanismos que requerem energia. Estes mecanismos são globalmente descritos como processos de transporte activo.
O trifosfato de adenosina, que é principalmente fornecido pela fosforilação oxidativa nas mitocôndrias, é habitualmente utilizado como fonte de energia.
O transporte dum ião contra um gradiente electroquímico requer um consumo acrescido de oxigénio. O transporte activo é fundamental para a manutenção quer do potencial de repouso da membrana quer do equilíbrio osmótico celular. A célula mantém a sua pressão osmótica constante, regulando as concentrações específicas de aniões, catiões e outros iões especiais necessários ao seu metabolismo.• Os iões potássio concentrados no interior da célula precisam de entrar contra um gradiente de concentração. Isto é conseguido através dum mecanismo de bombeamento que requer energia.
• Os iões sódio, que saem continuamente da célula juntamente com a água, também precisam de ser transportados por um processo activo. Este mecanismo é denominado bomba de sódio.
Os fluxos iónicos passivos são diferentes dos fluxos iónicos activos. Deve notar‐se que o bombeamento activo de sódio para o exterior é o principal mecanismo de manutenção do potencial negativo da membrana. A distribuição dos iões através da membrana depende da adição de dois processos distintos:
• Formas de difusão electroquímica simples que tendem a estabelecer o equilíbrio (transporte passivo).
• Processos de transporte iónico dependentes de energia (transporte activo).
i) A bomba de sódio e potássio
Mencionou‐se que o sódio é eliminado da célula juntamente com a água por um mecanismo de transporte activo frequentemente denominado bomba de sódio. Este mecanismo, descoberto por Hodking e Keynes em 1995, logo foi associado com o trabalho desempenhado pela enzima descoberta por Skou, a ATPase de sódio e potássio. Esta enzima é capaz de associar a hidrólise do ATP à remoção de sódio do citoplasma, contra um gradiente electroquímico desfavorável.
A ATPase de sódio e potássio encontra‐se firmemente ligada à membrana celular, da qual pode ser libertada através do uso dum detergente. O seu peso molecular foi estimado em aproximadamente 670 000 Da, e julga‐se que a sua cadeia será formada por vários polipeptídeos. Um eritrócito contém cerca de 5 000 destas moléculas enzimáticas, e cada uma delas exterioriza 20 iões Na+ por segundo.
A hidrólise duma molécula de ATP fornece energia para o transporte de dois iões potássio para o interior e de três iões sódio para o exterior da célula. A enzima apenas é capaz de metabolizar o ATP intracelular, sendo insensível ao ATP que possa encontrar‐se no exterior da célula. Esta enzima é estimulada por uma mistura de sódio e potássio. Os sítios para a ligação de cada um dos iões são independentes e o transporte de cada um é inibido pelo outro.
Observou‐se que a ATPase de sódio e potássio se concentra nas membranas das células nervosas, do cérebro e renais, sendo particularmente abundante no órgão eléctrico da enguia e na glândula de sal dalgumas aves marinhas, nas quais o transporte de iões é extremamente activo.
Do exposto se verifica que o transporte de sódio para o exterior é compensado pela entrada de potássio, obtendo‐se assim a neutralidade eléctrica. Contudo, existem situações em que a enzima se torna electrogénica e a saída de sódio não é compensada pela entrada de potássio. Esta função electrogénica gera um potencial que pode fornecer a força para o transporte doutros solutos. Diversas substâncias (glicose e ácidos aminados, por exemplo) podem entrar na célula com o auxílio da bomba de sódio.
ii) Proteínas transportadoras
O transporte de diferentes moléculas através da membrana apresenta um elevado grau de especificidade, isto é, a permeabilidade para uma molécula está relacionada com a sua estrutura química. Duas moléculas das mesmas dimensões mas de estruturas químicas diferentes, mesmo que ligeiramente, podem apresentar graus muito variados de facilidade de difusão para o interior da célula. Um exemplo claro desta selectividade é encontrado no transporte de dois isómeros, a glicose e a galactose, para o interior duma célula bacteriana. Embora a única diferença entre estes dois monossacarídeos seja a posição dum grupo hidroxilo no carbono 4, estas duas moléculas penetram na célula através de dois mecanismos diferentes. Este tipo de selectividade é atribuído à presença de proteínas transportadoras, ou perméases. Acredita‐se que as perméases funcionem de forma semelhante a uma enzima ou receptor que possui um sítio de ligação capaz de reconhecer a molécula a ser transportada. As perméases aceleram o processo de transporte, favorecem a selectividade especial e são recicladas, indiciando que permanecem inalteradas após realizarem a sua função. Algumas perméases funcionam apenas a favor do gradiente de concentração, enquanto outras são capazes de contrariar esse mesmo gradiente. O primeiro tipo de transporte, realizado por um mecanismo passivo, é denominado difusão facilitada. Quando a perméase opera contra o gradiente, exerce transporte activo.
Os detalhes dos mecanismos moleculares pelos quais ocorre o transporte selectivo de substâncias através da membrana plasmática são desconhecidos. Foram formuladas duas hipóteses gerais alternativas: o mecanismo carregador e o mecanismo de poro fixo.
• O mecanismo carregador implica a ligação da molécula à proteína transportadora na superfície externa da célula, executando esta um complexo movimento de rotação que desloca a molécula para o interior da célula. Este movimento é, contudo, relativamente improvável à luz dos conhecimentos a respeito da organização da membrana celular: a rotação é termodinamicamente difícil e a mudança da face externa para a face interna da membrana celular por parte duma macromolécula tem ainda menor probabilidade de ocorrer.
• O mecanismo de poro fixo parece ser mais provável, pois requer menor consumo de energia. De acordo com esta teoria, a proteína transportadora consiste de domínios transmembranares que, ao ligar‐se à molécula a ser transportada, sofrem uma mudança de conformação. Acredita‐se que o poro fixo é geralmente constituído por diversas subunidades proteicas revestidas por uma camada hidrofílica no interior.
Um exemplo interessante do mecanismo de transporte de poro fixo é a penetração de aniões cloreto e bicarbonato nos eritrócitos. O uso de sondas químicas especiais que penetram por estes canais, sendo, então, fixadas covalentemente, tornou possível a identificação do polipeptídeo 3 como o sítio envolvido no transporte. Esta proteína atravessa a membrana como um dímero ou um tetrâmero. O modelo proposto é dum canal proteico que cruza a membrana, apresentando à superfície externa um sítio de ligação de aniões com três cargas positivas. Existe também uma barreira hidrofóbica que limita a livre difusão dos aniões. Acredita‐se que o segmento do canal que possui o sítio de ligação pode apresentar duas configurações, uma voltada para o exterior e outra para o interior. Assim sendo, a sua actuação poderá ser comparada à dum portão que vai oscilando entre as duas posições e permite assim o acesso dos aniões provenientes do interior ou do exterior da célula.
A função vectorial da ATPase de sódio e potássio pode também ser explicada à luz do que foi descrito para o mecanismo carregador ou de poro fixo. A enzima possui sítios de ligação para o sódio e para o potássio e um mecanismo de transporte associado à hidrólise de ATP, que gera a energia necessária para o movimento dos iões contra o gradiente de concentração.
Foi também postulado que um mecanismo de transporte semelhante pode mediar a absorção da glicose pelas células intestinais. Este mecanismo é activado pelo sódio. O carregador possui um sítio de ligação para o sódio e outro para a glicose, existindo em duas conformações possíveis, uma de baixa e outra de alta afinidade para a glicose. Inicialmente, o carregador encontra‐se na conformação de alta afinidade, ligando uma molécula de glicose. Entretanto, a entrada de sódio a favor do gradiente de concentração fornece energia para a translocação do carregador, mudando para uma conformação de baixa afinidade, de forma que a molécula de glicose se liberta para o interior da célula.
4. Receptores
5. Canais iónicos
IX. Acidentes da superfície celular
As estruturas membranares especializadas são regiões adaptadas a diferentes funções, tais como a absorção, a secreção, o transporte de substâncias, a adesão ou a interacção com células vizinhas.
1. Junções intercelulares
a) Junções impermeáveis
i) Junções apertadas
As junções apertadas são zonas em que as membranas das duas células vizinhas se levantam em pregas salientes e opostas, que se alinham lado a lado. Cada prega é formada uma fieira de proteínas integrais.
Nestes pontos as duas membranas aderem firmemente uma à outra, interceptando o trânsito de moléculas no interstício, transformando parte da superfície celular externa num compartimento estanque. Este tipo de junções é importante para que, por exemplo, a absorção no epitélio de revestimento do intestino se faça pela zona apical e não pelas faces laterais das células, permitindo uma absorção selectiva das substâncias a serem absorvidas. Um meio de se verificar a existência deste tipo de junções é através da injecção de produtos no intestino, que não atravessam estas junções, devido à intimidade do contacto das células. O recurso à crio‐fractura permite observar as placas de pregas, onde as proteínas de cada célula se ligam às da célula adjacente.
ii) Junções septadas
As proteínas de junção encontram‐se dispostas em fiadas regulares e paralelas, mas as membranas das células adjacentes não contactam directamente uma com a outra. Este tipo de junções é muito frequente nos invertebrados.
b) Junções de adesão
i) Desmossomas circulares
Os desmossomas circulares são regiões em que partes das duas membranas adjacentes entram em contacto íntimo, formando uma espécie de rede que é especialmente visível em preparações para crio‐fractura. Estruturalmente, o interior da membrana apresenta filamentos de actina paralelos entre si e perpendiculares à membrana, enquanto no exterior se encontra um material filamentoso mal caracterizado.
ii) Desmossomas pontuais
Os demossomas pontuais são encontrados em diferentes tipos de células, sendo visíveis quer na microscopia óptica, como na electrónica. Nesta última, surgem como corpúsculos negros. Os desmossomas pontuais são estruturas formadas pelas membranas plasmáticas de duas células adjacentes ao longo de 30 a 50 nm. Numerosos tonofilamentos de 10 nm de comprimento entrelaçam o desmossoma e o citoplasma de ambas as células. Na junção intercelular há uma substância densa que contém mucopolissacarídeos ácidos e proteínas que, presumivelmente, contribuem para o fortalecimento do tecido do qual as células fazem parte. A sua principal função é ancorar as células umas às outras.
iii) Hemidesmossomas
Os hemidesmossomas encontram‐se a unir os epitélios ao tecido conjuntivo que lhe está subjacente. Do lado epitelial, apresentam uma constituição idêntica à dos desmossomas, e, do lado do tecido conjuntivo, existe um espessamento da membrana.c) Junções comunicantes
i) Junções de hiato
O conceito de célula como a unidade básica de toda a matéria viva não deve fazer desprezar o facto de que os organismos multicelulares são compostos por populações de células que interagem entre si. Esta interacção celular é essencial para a coordenação de actividades e para a propagação de sinais relativos ao crescimento e à diferenciação celulares, indispensáveis para o desenvolvimento do organismo. Sabe‐se actualmente que a maior parte das células dum tecido organizado se ligam entre si por canais juncionais e que dividem um conjunto de vários pequenos metabolitos e iões, que transitam duma célula para outra. Uma das manifestações da interacção celular é a ligação eléctrica entre as células. Através da introdução de micro‐eléctrodos em células adjacentes dum tecido, os investigadores puderam demonstrar que existem comunicações celulares em muitas células animais. Neste caso, as células estão ligadas umas às outras electricamente e possuem na membrana regiões de baixa resistência, através das quais existe um livre fluxo de corrente eléctrica, carregada pelos iões. As outras porções da membrana celular não ligadas apresentam uma maior resistência. Este tipo de ligação, denominada junção de hiato, é habitualmente encontrado em células epiteliais cardíacas e hepatócitos adultos. O músculo esquelético e a maior parte dos neurónios não possuem junções de hiato.
Num corte fino, a junção de hiato surge como um contacto em placa, no qual as membranas plasmáticas de duas células adjacentes se encontram separadas por um espaço de somente 2 a 4 nm. Este tipo de junção pode ser evidenciado através do recurso a corantes electrodensos (por exemplo, lantânio). Em cortes tangenciais, as junções de hiato apresentam um arranjo hexagonal de partículas entre 8 e 9 nm. O corante electrodenso é capaz de penetrar entre as partículas, delineando assim o arranjo poligonal, bem como a região central de cada partícula. Esta região central tem um diâmetro de 1,5 a 2,0 nm e corresponde a localização do canal. Através da crio‐fractura, é possível romper as junções e definir mais detalhadamente a sua estrutura interna. As membranas isoladas da junção de hiato possuem a mesma estrutura poligonal entrelaçada da junção intacta. Cada unidade possui uma estrutura em anel constituída por seis subunidades proteicas idênticas circundando um canal hidrofílico. A unidade da junção de hiato foi denominada conexão e parece estabelecer‐se através da dupla camada de cada uma das membranas ligadas, bem como da junção entre elas.
O desenvolvimento de junções de hiato tem vindo a ser observado em vários tipos de células. O processo envolve o aparecimento de placas entre as células, ao mesmo tempo que diminui o espaço intercelular, seguido do aparecimento de partículas maiores e, finalmente, a disposição das partículas em arranjos poligonais. Quando duas células são colocadas em contacto directo, podem formar‐se junções de hiato em segundos, não havendo tempo para a síntese proteica. Este dado levou a concluir que as partículas proteicas de 8 nm já se encontram presentes na superfície celular e que, quando uma célula entra em contacto com outra, estas partículas se movem e interagem com moléculas semelhantes da outra membrana.
Do ponto de vista fisiológico, a junção de hiato resulta da aposição de dois canais pertencentes um a cada membrana. Estes canais não só atravessam a membrana como se projectam para o espaço intercelular para formar a conexão.
As junções de hiato representam uma região de elevada permeabilidade, que se encontra separada do fluido intercelular por um lacre juncional de baixa permeabilidade. Estas junções não só possibilitam a sinapse eléctrica, promovida pela passagem de iões, mas também facilitam o movimento de metabolitos e mesmo de moléculas maiores de célula para célula. Utilizando diversos peptídeos fluorescentes, foi possível observar o movimento intercelular de moléculas de peso até 1 900 Da (monossacarídeos, ácidos aminados, nucleotídeos, vitaminas, hormonas esteróides, AMP cíclico, etc.), o que corresponde a um canal de diâmetro próximo de 1,4 nm. Estes canais são controlados por sinais químicos que os abrem ou encerram. ii) Sinapse química
A sinapse química permite a comunicação entre células. Porém, essa comunicação não é directa como nas junções de hiato, mas sim indirecta, uma vez que existem espaços entre as células, sendo utilizados mediadores químicos.
2. Acidentes da superfície celular relacionados com o transporte de macromoléculas
• A secreção intracelular de lisossomas primários é associada a um outro sistema de origem extracelular gerado pela endocitose, o nome colectivo dado aos diversos fenómenos relacionados com a actividade da membrana celular. A endocitose inclui os processos de fagocitose e pinocitose, através dos quais substâncias sólidas ou líquidas são ingeridas pela célula em bloco.
o A fagocitose ocorre num grande número de protozoários e entre certas células do metazoários. Nos metazoários, a fagocitose está intimamente relacionada com o movimento amebóide. Uma amiba ingere pertículas grandes, incluindo microrganismos, circundando‐os com pseudópodes, para formar um vacúolo onde ocorre a digestão. Nos metazoários, além de promover a nutrição celular, a fagocitose actua como meio de defesa, através do qual são eliminadas partículas estranhas ao organismo (por exemplo, bactérias, poeiras e vários colóides). As vesículas de fagocitose podem chegar a ter um diâmetro superior a 1 μm. O processo de fagocitose em metazoários e protozários envolve dois passos distintos. O primeiro consiste na adesão da partícula à membrana celular. O segundo é a penetração da partícula na célula. Nalguns casos foi possível a separação destes dois eventos; por exemplo, a baixas temperaturas, uma bactéria pode aderir à superfície dum leucócito sem ser ingerida.
o A pinocitose é o mecanismo pelo qual são incorporadas na célula proteínas e outras substâncias solúveis. As vesículas de pinocitose possuem um diâmetro inferior a 1 μm. Essas vesículas podem ser de macropinocitose, se o seu diâmetro estiver compreendido entre 0,5 e 1 μm, ou de micropinocitose ou revestidas, se o seu diâmetro for inferior a 0,5 μm. As vesículas revestidas são assim designadas porque a membrana é revestida por várias proteínas, das quais a melhor conhecida é a clatrina, uma proteína fibrosa de 180 000 Da que forma juntamente com um outro polipeptídeo de 35 000 Da um poliedro em torno da vesícula. A unidade básica deste revestimento é formada por três cadeias de clatrina e três cadeias do outro polipeptídeo. O conjunto destas unidades forma uma rede de hexágonos e de pentágonos à volta da vesícula. O conteúdo das vesículas pode ser facilmente demonstrado com o uso de proteínas marcadas com corantes fluorescentes.
Tanto a fagocitose como a pinocitose são fenómenos essencialmente semelhantes, sendo ambos mecanismos activos, pois necessitam de energia para a sua realização. Em células cultivadas, a taxa de endocitose aumenta com a adição de ATP e é inibida por substâncias que alterem os processos respiratórios e metabólicos. Na endocitose, a ligação de partículas à membrana plasmática leva aparentemente a um tipo de alterações abaixo do ponto onde ocorreu a ligação, que pode, por sua vez, estar relacionado com os microfilamentos de actina inseridos na face citoplasmática da membrana. Estes microfilamentos podem estar associados com a invaginação da membrana e com a formação de pseudópodes. Através da endocitose podem ser englobadas pela célula grandes porções da membrana celular. Um macrófago pode incorporar quase o dobro da área da sua superfície numa hora, sugerindo que existe uma contínua reciclagem da membrana para a superfície celular.
• A exocitose é um processo inverso, pelo qual produtos envolvidos por uma membrana, geralmente provenientes do complexo de Golgi, são libertados pela célula ao nível da sua membrana. 3. Estruturas exteriores à membrana celular
a) Glicocálice
O glicocálice tem uma espessura de 20 nm. Nele se encontram os oligossacarídeos das glicoproteínas e glicolipídeos da face externa da membrana celular. Pode ser visualizado pela coloração PAS, pelo azul de Alcian, pelo lantânio, pelo vermelho de ruténio e, mais especificamente, pelas lectinas. As suas funções são variadas: protecção, filtração, reacções enzimáticas, reconhecimento celular, antigenicidade, inibição de contacto, sinalização hormonal, etc.
b) Membrana basal
A observação de cortes de epitélios em microscopia óptica permite visualizar uma zona de separação entre o tecido epitelial e o tecido conjuntivo, que se verifica ser corada pelo PAS. Esta estrutura é denominada membrana basal. Quando observada ao microscópio electrónico, a membrana basal apresenta uma estrutura formada por duas lâminas: a lâmina lúcida e a lâmina densa.
• A lâmina lúcida corresponde ao espaço contíguo à célula, preenchido pelo glicocálice e por laminina, que é uma glicoproteína de alto peso molecular, identificada na junção entre a derme e a epiderme.
• A lâmina densa localiza‐se por fora da lâmina lúcida e é constituída por proteoglicanos, colagénio e glicoproteínas. Observa‐se lâmina densa a toda a volta das fibras musculares, das células de Schwann, dos pericitos e na junção entre a derme e a epiderme.
c) Microvilosidades
As microvilosidades são estruturas que se projectam da parte apical das células epiteliais, aumentando assim a superfície de absorção. São estruturas longas (0,8 × 0,1 μm), com um feixe central de microfilamentos de 5,5 nm de actina, ligados ao topo da microvilosidades e entre si por fimbrina. Existem diferentes variedades de microvilosidades, como as bordaduras em escova e o prato estriado.

X. Matriz extracelular e adesão celular
XI. Compartimentação intracelular
1. Retículo endoplasmático
2. Complexo de Golgi
3. Síntese e modificação das proteínas
4. Lisossomas
5. Transporte intracelular
6. Peroxissomas
7. Mitocôndrias
8. Cloroplastos
9. Cito‐esqueleto
XII. Sinalização celular
1. Regulação autócirna
2. Regulação endócrina
3. Regulação parácrina
XIII. Biologia do desenvolvimento
1. Noções gerais
2. Gâmetas e ovos
3. Segmentação
4. Morulação
5. Blastulação
6. Gastrulação

7. Estruturas derivadas dos folhetos embrionários
8. Anexos embrionários
9. Placenta
XIV. Células diferenciadas
1. Célula secretora
2. Células do sistema imunitário
a) Linfócito
b) Macrófago
3. Célula muscular
4. Célula nervosa
5. Célula vegetal
6. Célula neoplásica